Atividade física e Covid-19: pessoas mais ativas têm 34% menos chance de hospitalização conforme OMS

Trinta minutos de exercícios diários são suficientes para prevenir doenças; metade dos brasileiros não pratica o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde

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11 min readSep 17, 2021

De quatro a cinco milhões de mortes poderiam ser evitadas todos os anos se a população global fosse fisicamente mais ativa, segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, quase metade da população, cerca de 105 milhões de pessoas, não se exercita nem o mínimo do que é recomendado pela OMS — que é de 150 a 300 minutos por semana. Considerando que parte da população sedentária está ainda mais suscetível a integrar os grupos que possuem comorbidades, torna-se ainda mais crítico o risco à saúde desses indivíduos durante o período da pandemia do Sars-CoV-2.

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou uma pesquisa recente em que expõe que a internação de pacientes com Covid-19 é significativamente menor entre aqueles que praticam atividades físicas. No estudo foram avaliadas 938 pessoas de diferentes idades e todas com confirmação positiva nos testes para infecção pelo vírus Sars-CoV-2. Os participantes foram divididos em dois grupos, um de pessoas regularmente ativas e outro grupo de pessoas consideradas sedentárias — segundo a padronização da OMS. Do total de voluntários, apenas 9,7% necessitam de hospitalização, ou seja, 91 pessoas. Dessas, as pessoas consideradas fisicamente ativas tiveram um índice 34% menor de hospitalização em comparação ao grupo de sedentários. Assim, dessas 91 pessoas que precisaram ser internadas, 55 eram sedentários e 36 não.

Sabendo do impacto que o sedentarismo tem para a saúde da população, torna-se necessária a prática regular de atividades físicas na vida do ser humano. O secretário de Saúde do município de Florianópolis — e também médico cirurgião — Carlos Alberto Justo da Silva, diz não ser possível mensurar as consequências do sedentarismo no sistema de saúde por não haver doenças que se relacionem com um único fator.

“O surgimento de doenças, sejam elas quais forem, são uma soma de diversos fatores, mas é claro que a não realização de atividades físicas são fatores de riscos para todas, ou a grande maioria das doenças”, enfatiza o secretário.

Estar em movimento, ressalta, é positivo tanto para a saúde física quanto a emocional. “Os sistemas de Saúde absorvem essa e outras demandas, mas não podemos erroneamente impactar um fator singular para uma consequência plural”.

Como parte da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), em Florianópolis, as Equipes de Saúde da Família (ESF) atuam como grupos compostos por diversos profissionais da área. Entre eles estão médicos generalistas, auxiliares e técnicos em enfermagem, agentes comunitários de saúde e dentistas. Para atuar dando suporte às demandas das ESF, no ano de 2008 foram fundados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), pelo Ministério da Saúde. Estes grupos podem ser compostos por nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, médicos acupunturistas, médicos homeopatas, professores de Educação Física, entre outros profissionais que atuam em integração com as ESF em todo o Brasil.

A professora e educadora física, Patrícia Silveira Abreu, integra parte dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família de Florianópolis desde 2011 e atualmente atende as comunidades de quatro bairros do município, em seus respectivos centros de saúde. Dentre as atividades que a professora coordena, estão grupos de alongamento, de caminhadas e de trilhas, além da prática do Liam Gong — ginástica terapêutica feita em pé, proposta pelo médico ortopedista chinês Zhuang Yuan Ming nos anos 1960. A prática difere do Tai Chi Chuan, que tem origem no século 17, considerada como arte marcial de autodefesa com movimentos lentos, ligados a exercícios milenares e a medicina tradicional chinesa. A proposta do criador do Liam Gong visou desenvolver uma maneira para que seus pacientes pudessem fazer fisioterapia por conta própria.

Desde o início da pandemia, as atividades de encontro com os grupos foram imediatamente suspensas, seguindo as determinações de distanciamento social. Com a necessidade dos pacientes de continuar com a prática das atividades físicas, em novembro de 2020 os grupos começaram a retornar através dos encontros remotos online.

“A gente tinha muita queixa de que as pessoas estavam muito sozinhas, se sentindo desamparadas, então, a retomada online já foi muito importante para que eles conseguissem conversar, esclarecer dúvidas e trocar ideias entre eles”, relata Patrícia.

Os participantes conversaram sobre como enfrentar esse momento, de que forma cada um estava enfrentando a pandemia, o que eles estavam fazendo para se manterem bem. “Isso foi muito importante de ser compartilhado, para que outras pessoas também conseguissem melhorar as suas condições mentais e físicas”, atesta a professora.

Ao final do ano de 2020, apenas as práticas de alongamento e de Liam Gong retornaram e assim continuaram também durante todo o primeiro semestre de 2021. Com a diminuição no número de casos da Covid-19 em Florianópolis e com o avanço do número de pessoas vacinadas, a Secretaria da Saúde liberou a retomada das atividades presenciais dos NASFs, dando preferência para os encontros em locais ao ar livre.

Maria Elisa Vieira tem 71 anos, é portadora de diabetes e praticante assídua de atividades físicas. Ela integra os grupos de caminhadas e trilhas do Centro de Saúde do Rio Vermelho há oito anos. Antes da pandemia, Maria Elisa também era praticante de natação, esporte que realizava duas vezes por semana. Segundo ela, foi sua rotina com boa frequência de atividades físicas que fez com que ela conseguisse controlar as suas taxas de diabetes.

Com o início da pandemia, Maria Elisa não pode mais frequentar as piscinas e nem as atividades presenciais de caminhadas e do Liam Gong — da qual também fazia parte. Inicialmente, a solução que ela encontrou para preencher a falta de exercícios físicos em sua rotina foi a compra de uma bicicleta ergométrica para poder praticar em casa. “De atividade física eu estou muito bem e eu tenho certeza que é fundamental para qualquer idade.”

Quando se trata da importância da prática da atividade física no período da pandemia, para além dos benefícios do corpo, o fator da saúde emocional é um dos benefícios mais relevantes. Ainda que online, a interação entre as participantes vem ajudando-as a lidar melhor com os desafios do período.

Jocelaine da Silva Gonçalves, de 44 anos, também já era praticante de atividades físicas antes do início da pandemia, através da prática da musculação. Por indicação médica, ela precisou incluir exercícios regulares em sua rotina, como uma medida paliativa aos transtornos emocionais que enfrentou. Jocelaine também apresenta distúrbios físicos, como fibromialgia, bursite e tendinite — o que faz com o esforço realizado na prática da musculação afete negativamente o seu corpo. Através de consultas com profissionais do Centros de Saúde, ela foi indicada para começar a prática de Liam Gong, justamente por ser uma prática leve. Em meio ao período da pandemia, mesmo remotamente, ela deu início às atividades com o grupo ministrado pela professora Patrícia Abreu.

“Eu fiquei um ano inteira parada, não via pessoas e não saia de casa. Eu já estava depressiva e foi aí que eu entrei em uma depressão bem mais forte.”

Quando conseguiu chegar até a professora Patrícia, ela diz que “foi maravilhoso”, pelo acolhimento, embora tenha se assustado na primeira aula, porque nunca havia feito aula online. “A atividade física que ela passa não me trava, o Liam Gong te deixa leve e não agride o teu corpo e agora eu estou fazendo parte dos grupos de trilhas e caminhadas que retornaram. Mudou completamente a minha vida. Eu não estou sentindo tantas dores como eu sentia antes. Minha vida está bem tranquila, eu consigo ter um relaxamento muito bom”. Jocelaine ressalta ainda que o mais importante na prática dos exercícios é o acolhimento. “Está sendo maravilhoso”.

A longo prazo, doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e até mesmo depressão poderiam ser evitadas ou atenuadas com uma rotina fisicamente ativa. Quando atingem um grande contingente populacional, essas doenças afetam o sistema de saúde e, consequentemente, até mesmo a estrutura econômica de um país. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), de 2019, haveria uma economia de R$ 1,14 bilhão em recursos de saúde, caso a população fosse mais ativa. Já segundo a OMS, estima-se que o custo global seja de cerca de US$54 bilhões (cerca de R$284 bilhões) em assistência médica direta e outros US$14 bilhões (cerca de R$74 bilhões) em perda de produtividade a cada ano.

Sonia Calil, de 76 anos, integra os grupos de atividades físicas dos Centros de Saúde de Florianópolis e também relata a importância da prática das atividades físicas para ela, em seu aspecto emocional. “Quando a pandemia chegou, tudo foi suspenso. Meses depois, via vídeo, retomamos a ginástica e via Google Meeting iniciamos Liam Gong, a princípio quatro vezes por semana e foi o que ‘salvou minha vida’ do tédio, depressão e medo que tomaram conta de mim no início da pandemia. Com as aulas, a monotonia foi rompida e voltei ao meu estado de humor mais estável.”

Nos meses em que Sonia esteve sem praticar atividades físicas, ela pôde perceber algumas mudanças nítidas na sua saúde.

“Notei uma diferença enorme na minha energia vital, que baixou muito; no meu humor, que deprimiu; no meu corpo físico, que perdeu massa muscular e flexibilidade. Eu só voltei a praticar com a volta das aulas online e sinto que se não estivesse fazendo nenhuma atividade física, estaria neste momento desarmonizada emocionalmente, ‘enferrujada’ fisicamente, e com a saúde deteriorada.”

Com o intuito de conscientizar a população mundial acerca da necessidade de rotinas fisicamente ativas, a OMS publicou uma nova diretriz voltada à prática de atividade física, em novembro de 2020. Segundo o documento divulgado pela organização, as recomendações de saúde pública apresentadas “são destinados para todas as populações e grupos etários de cinco a 65 anos e idosos, independentemente do sexo, origem cultural ou nível socioeconômico, e são relevantes para pessoas de todo tipo de habilidades”.

Moradora de Florianópolis, capital de SC, Nauama Barros, 22, estudante de Ciências Sociais, começou a se exercitar antes do início das restrições sociais, mas passou a frequentar a academia durante a pandemia. Enfatiza que sempre movimentou seu corpo de diferentes formas, mas procurou algo mais profissional por sentir falta, buscando, como consequência, que também a ajudasse em sua saúde mental. O incentivo não veio de nenhuma propaganda, pois foi dela que partiu a decisão por fazer exercícios.

Apesar do esforço das entidades públicas, Nauama acredita que faltam políticas públicas para orientar a população para manter e fazer atividades físicas de formas corretas e que seja acessível para todos. Se a prática for inadequada pode ser prejudicial para quem faz a atividade.

Também residente na Capital catarinense, a estudante Gabriela Pinheiro, 21, fazia exercícios regularmente no início de 2020, quando a pandemia se espalhou pelo pelo mundo, ela até tentou continuar praticando em casa, mas não se adaptou e parou com as atividades. Neste ano, há três meses voltou a treinar por sentir complicações devido ao sedentarismo, como falta de fôlego e passar muito tempo na cama. A influência para voltar a movimentar o corpo não teve ligação com propaganda do governo federal, o incentivo veio mais por conta de vídeos por uma rede social. Ela fala que acompanha algumas divulgações sobre aulas abertas e gratuitas e construções de academias abertas, ciclovias e pistas, mas que o investimento vai além de ter um espaço disponibilizado para tais atividades, pois isso impacta na qualidade de vida das pessoas. “Numa rotina de trabalho de 10 horas dificilmente quando a pessoa chegar em casa vai querer se exercitar”.

O jovem joinvilense, Victor Martins, 19, também voltou a se exercitar durante a pandemia. Alega que praticava atividade física antes do distanciamento social, mas que há dois meses se exercita como parte da sua rotina e para cuidar mais da saúde. Também enfatiza que não teve nenhum incentivo de políticas públicas do governo, já que a decisão tomada se deu por conta própria e por gostar de se movimentar jogando basquete. Para ele, com raras exceções, a ausência de manutenções na praça e parques, tais como os problemas de iluminação evidenciam certo descaso dos entes públicos. “Quem acaba colocando a mão na massa são as próprias pessoas que jogam e não a prefeitura”, conta ele.

Em Araquari, município que faz divisa com Joinville, trabalha a médica Bárbara Barreiros, que aponta diferenças de incentivo entre as cidades. No município em que ela atua e integra o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF), é previsto que se tenha um educador físico, um dos recursos do governo estadual para prática de atividade física. Ou até mesmo estruturas físicas para ampliar esse acesso, como: academia ao ar livre e ciclovias.

Na cidade há um programa voltado para os jovens que estimula o hábito de movimentar o corpo, fazendo esportes dos mais variados. O foco é mais nos jovens, havendo restrição para os adultos. Bárbara lembra que o ideal é a prática de 150 minutos de atividade física moderada por semana, tendo opções de lugares a céu aberto como parques para exercer essa dinâmica por conta da quarentena.

O tempo de distanciamento social e de convivência presencial afetou bastante a saúde mental dos jovens e adultos de Araquari, segundo Bárbara. Como estão em uma fase que se experiência a falta de convívio com pessoas da mesma idade, isso impacta a saúde mental dos jovens, pois os relatos de ansiedade, depressão e sedentarismo. A prática de exercícios serviu como válvula de escape para essa realidade turbulenta.

O fisioterapeuta Rafael César, que atua na área em Joinville, diz que no início da pandemia houve redução na procura pelos seus serviços, por conta do distanciamento social. Mas no decorrer da quarentena, a busca aumentou por pessoas que estavam em home office, alegando dores articulares e posturais. Após sete meses do começo da pandemia, houve ainda procura por parte de pacientes pós-Covid, que ficaram com sequelas físicas e respiratórias.

Rafael já realizou tratamentos com pacientes pós-covid e atende um enfermo que ficou internado 32 dias por complicações da doença. Ele conta que leva em consideração a situação de cada momento do tratamento, não só o déficit respiratório, mas como todo corpo do paciente que requer cuidados. Afirma também que a Covid-19 afetou principalmente os grupos de riscos, mas também contaminou atletas e praticantes contínuos de atividade física, sendo que as piores sequelas e óbitos foram em pessoas sedentárias, havendo exceções.

A atividade física fica limitada, mas cada indivíduo precisa realizar uma avaliação detalhada para analisar tudo que desenvolveu no período em que o vírus ficou ativo no corpo. A observação leva em consideração não só as sequelas do paciente, mas também quais eram seus hábitos antes de se infectar. A rotina de exercícios bem orientados é benéfica não só para o combate da Covid-19, mas em todos momentos da vida, conta. Ele alerta a quem pretende aderir à prática de atividade física: é importante fazer uma avaliação prévia, respeitar o momento e os limites do seu corpo.

Como participar dos grupos de atividades físicas nos Centros de Saúde de Florianópolis

Para os moradores do município interessados em participar dos grupos de atividades físicas oferecidas pelo SUS, sob a coordenação dos profissionais do NASF, as práticas são abertas para toda a população e todos podem participar. Para isso:

  1. Procure o Centro de Saúde do seu bairro;
  2. Leve o comprovante de residência, caso ainda não seja cadastrado;
  3. Informe-se sobre os dias e as atividades oferecidas por aquela unidade.

Nos Centros de Saúde da Barra da Lagoa e do Rio Vermelho, por exemplo, as atividades já oferecidas variam entre grupos de alongamento, de caminhadas e trilhas, Liam Gong, Yoga, cultivo de hortas comunitárias, entre outras. No entanto, essas atividades podem variar dependendo de cada Centro de Saúde.

Sobre a possibilidade da prática de atividades físicas durante o período de pandemia, a assessora de comunicação da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, Vanessa Martinelli, afirma que “a Secretaria do município sugere a prática esportiva como serviço essencial para a promoção da saúde da população”. Segundo ela, o município oferece, gratuitamente:

  • Arenas de esportes de praia com aulas gratuitas;
  • Academias ao ar livre;
  • Estações de alongamento;
  • Pistas de skate
  • Praças;
  • Pistas de corrida, ciclofaixas e a Via Amiga do Ciclista.

Para conhecer melhor também os espaços públicos do município de Florianópolis destinados às práticas de esportes e lazer, a PMF disponibiliza os mapas de espaços livres, para acesso online.

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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