Circo retoma espetáculos após prejuízo de R$ 400 mil durante a pandemia
Artistas circenses contam detalhes sobre o fechamento total em 2020 e a retomada gradativa dos espetáculos nos meses recentes de 2021
Por Vinícius Fagundes
As luzes quase se apagaram para o Circo Fantástico. Instalado atualmente em Palhoça (SC), o circo foi diretamente afetado pela suspensão dos eventos e o distanciamento social, em decorrência da pandemia da Covid-19. Ao baixar as lonas por vários meses, os artistas trocaram o picadeiro e o espetáculo, para sobreviver com a venda de pipoca, algodão doce e maçã do amor nos semáforos. Essa foi a saída para as mais de 14 famílias, cerca de 40 pessoas, para não passarem fome. Já os donos do Circo Fantástico, que há mais de 25 anos se apresentam pelo país, o prejuízo foi de quase meio milhão de reais, o que os deixou à beira da falência.
Hoje, de volta à cena, com os cuidados de biossegurança exigidos para a reabertura dos trabalhos, quando as lonas se erguem e o público começa a voltar ao circo, a voz marcante que saúda os espectadores não esquece do malabarismo que fizeram para conseguir fazer o espetáculo continuar. O dono dessa voz, Magno Ayres, 31 anos, locutor e motociclista do globo da morte, conta que logo no início do período da pandemia, que se estendeu por três meses, de abril a junho de 2020, em que cessaram as apresentações, os artistas seguiram sem rumo pela cidade de Santa Maria-RS. Até que o sistema Drive-in surgiu como solução para voltarem a viver da própria arte e ter retorno financeiro. Neste módulo de apresentação, cabiam 22 carros, posicionados seguindo um mapa aprovado pela Vigilância Sanitária. Ainda com uma arrecadação muito baixa, já que, em média, apenas 80 pessoas pagavam ingresso, hoje aquele período contrasta com as 700 pessoas que o circo voltou a receber, com a retomada das atividades.
Antes, os espetáculos aconteciam no Rio Grande do Sul, com todos os protocolos sanitários exigidos, distanciamento entre os artistas, máscara nos motociclistas que andavam dentro do globo, álcool em gel em todos os equipamentos, divisão de microfones dos apresentadores e também os trapezistas não podiam se apresentar, já que o contato era muito próximo. Contudo, devido ao baixo movimento, o circo fechou. Foi então que, em sete carros, saíram pelas cidades gaúchas, com seus integrantes vendendo produtos que produziam: maçã do amor, pipoca, churros, bolas infláveis e outros. Magno foi um dos que venderam doces para pagar as contas.
Outro artista que também precisou vender guloseimas para sobreviver em 2020 foi Carlos Antônio Rodrigues, 51 anos, palhaço principal do espetáculo. Ele, que trabalha há mais de 33 anos com a arte circense, se espantou quando a pandemia obrigou a fechar as portas do lugar que mais ama. O Palhaço Maxixin saiu para vender bolas infláveis, maçã do amor, pipoca e algodão doce, mas disse que as despesas eram muito grandes, mal dava para lucrar com as vendas. Ele explica que não recebeu o Auxílio Emergencial, mas recebeu um auxílio cultural no valor de cinco mil reais. “Veio na hora certa, porque, mais um pouco, teria que abandonar tudo”.
Natural de Mossoró (RN), já trabalhou em diversos circos como Vostok, por três anos; Beto Carreto, por seis anos, e agora faz dez anos no Circo Fantástico. A tradição dele vem de família, já que seu pai também era palhaço, mas só pode conhecê-lo com 20 anos de idade e, aí, seguiu carreira circense. “Quando o sangue corre na veia, não tem como escapar do circo”.
Maxixin faz uma crítica às autoridades, dizendo que a pandemia poderia ter sido bem menos impactante e sofrida, se o país estivesse sendo bem governado. Ele, que recebeu apenas a primeira dose da vacina, lamentou por tantas mortes — cerca de 590 mil até final de setembro de 2021 –, e agradeceu por nunca ter se infectado durante o período pandêmico, que ainda continua.
Com apenas 17 anos, Enzo Royter Mafi é o segundo artista mais novo e também faz diversas funções como malabarista, iluminação e montagem dos espetáculos. Durante a pandemia também sofreu, não tendo outra opção senão ajudar na produção dos doces que eram vendidos na rua e em frente a mercados. Ele é natural de Belo Horizonte (MG), segue carreira com alguns familiares, como sua irmã Brenda Royter, que é trapezista e bailarina. Enzo não parou os estudos e segue cursando o terceiro ano do ensino médio. A cada cidade que ele chega, procura a escola e segue seus estudos. No momento, não pensa cursar nenhuma faculdade, já que o circo é sua vida. “A pandemia fez a gente parar, não tinha mais o que fazer, então parei. Mas se for escolher algo pra vida, quero o circo”.
O salário dos artistas circenses é negociado individualmente com cada um. Por exemplo: o apresentador também recebe pela barraca de pastéis da praça de alimentação. Todos têm contratos informais e não possuem carteira assinada. Segundo Enzo, caso alguém se machuque, o circo oferece auxílio e amparo a todos os artistas.
Apesar das dificuldades, dele e de outros artistas, o circo nunca deixou de dar assistência a eles. Segundo Diva Aparecida Cascão, 63 anos, que trabalha com circo há mais de 30 anos, o Circo Fantástico está sempre atento. “Não vou deixar ninguém desse circo passar necessidade”, enfatiza. Dona do circo, Diva diz que vendeu três caminhonetes, um jet ski e uma moto, somando mais de R$ 400 mil em prejuízos, durante a pandemia. Os valores foram necessários para manter o aluguel do terreno, água, luz, gás, remédios, de grande parte dos artistas que trabalham. Segundo Diva, o valor do auxílio-cultura — de R$ 7 mil –, vindo do governo, não cobre despesas básicas, como a luz, que custa R$ 4 mil por mês, além do atendimento às dezenas de artistas do Circo Fantástico.
Diva revela que todos os artistas do circo que puderam foram vacinados. “Nem precisei pedir, cada um foi tomando na sua vez, pela sua idade. Uns já estão com as duas doses, outros esperam a sua idade, assim vai indo”. Atualmente, ela está 100% imunizada, com as duas doses da vacina.
Neste ano, o Circo Fantástico retomou suas apresentações de forma presencial em Santa Catarina, começando por Porto Belo, Balneário Camboriú e, atualmente, São José. Na luta pela sobrevivência, Diva diz que quando esteve em Porto Belo, montou seu circo ao lado de uma loja de departamentos. “Estávamos retomando do zero, com parcelamentos no banco”, disse. Lá tiveram sorte, pois não pagaram água e nem aluguel do terreno, porque os proprietários gostam muito de circo e resolveram ajudar. O Circo Fantástico já viajou mais de 20 estados do Brasil e tem mais de 25 anos de história. Seguindo a tradição circense, sua composição é formada por diversas famílias que vão dando sequência à arte, conforme as gerações. A próximas cidade em que estarão presentes será Florianópolis.