Ciência no Brasil está ameaçada por cortes

O orçamento de 2019 ainda é incerto, mas governo federal considera retirar recursos da área

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4 min readOct 3, 2018

Texto por Pedro Bermond Valls
pedrobermondv@gmail.com
Fotos por Carolina Maingué
carolinamainguepires@gmail.com

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou no dia 2 de agosto, em nota aberta, que o orçamento de 2019 destinado ao órgão prejudicaria gravemente a pesquisa científica no Brasil, suspendendo diretamente cerca de 200 mil bolsas. Cientistas, instituições de pesquisa, acadêmicos e estudantes de pós-graduação têm se manifestado contra o corte de recursos e em defesa da ciência pública desde então. Ainda sem definição oficial, os cortes dependem de aprovação legislativa. O orçamento federal ainda está em fase de montagem e debate, podendo ser modificado até o final deste ano, prazo para a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA).

Em resposta, o atual Ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva, declarou recentemente que não tem a intenção de aceitar cortes que afetem a ciência no Brasil. O resultado das eleições presidenciais e os ânimos populares serão fatores decisivos para ditar os caminhos do orçamento de 2019.

Pesquisa na UFSC

Se confirmados os cortes no orçamento da Capes de 2019, pesquisas desenvolvidas por professores e estudantes de pós-graduação da UFSC serão diretamente afetadas. A seguir estão algumas delas.

MovMais

É um projeto de pesquisa e extensão do curso de Educação Física da UFSC, realizado com apoio dos cursos de Farmácia, Nutrição e Medicina, com o objetivo de indicar exercícios para adultos obesos. Eles são orientados e acompanhados no desenvolvimento de rotinas que garantam segurança e eficiência em seus programas de emagrecimento e recuperação da saúde.

Segundo Giovani Del Duca, coordenador do MovMais e professor do curso de Educação Física, a obesidade se tornou uma epidemia causada, entre outros fatores, pelo sedentarismo e alimentação precária, condicionados pelo estilo de vida da atualidade. Isso explica a importância do projeto.

Caroline Feix, uma das pacientes, é pedagoga e costumava enfrentar dificuldades no seu trabalho com as crianças, que exigiam dela um esforço físico durante a rotina na escola. Com sobrepeso, Carol conta que já tentou frequentar academia algumas vezes, mas se sentia mal por não acompanhar o ritmo dos outros.

Três vezes por semana, a equipe de pesquisadores recebe pessoas com excesso de peso e os auxilia na realização de exercícios aeróbicos e de musculação, além de propor planejamentos alimentares. São coletados dados referentes às suas dificuldades e construídos perfis individuais. Cada participante é auxiliado a ter a correta compreensão da dimensão dos problemas enfrentados, físicos ou psicológicos.

Projeto Bioinvasores Marinhos

Invasores são espécies exóticas, que não pertencem a um ecossistema e causam danos, que podem ser econômicos, ambientais ou de saúde pública. A equipe de pesquisadores do curso de Biologia, nesse programa, trabalha especificamente com espécies marinhas: eles mergulham para fazer monitoração, calcular possíveis danos e, eventualmente, retirar as espécies invasoras da região.

“Quando bioinvasores entram em um ecossistema do qual não faziam parte, eles podem prejudicar atividades empresariais, matando outras espécies, importantes para atividades extrativistas. Podem ainda transmitir doenças aos seres humanos”, ressalta Alberto Lindner, coordenador de pesquisas e professor do curso de Biologia. Exemplo dessa ação dos bioinvasores acontece quando o mexilhão dourado entope encanamentos e dutos de usinas hidrelétricas, ou quando o peixe-leão come em excesso espécies da fauna atlântica, prejudicando o turismo e a pesca.

Alberto Lindner é coordenador de Pesquisa do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC e integra o projeto Monitoramento Ambiental da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo (MAArE). O projeto originou um livro sobre espécies invasoras na Reserva, que vai desde o norte de Florianópolis até o município de Bombinhas.

SBPC manifesta preocupação

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, divulgou carta aberta assinada, logo após o alerta da Capes sobre os efeitos dos cortes do orçamento de 2019 para a ciência, lamentando a decisão, já que o Brasil é uma das grandes economias mundiais que menos investe nessa área, considerada motor para o desenvolvimento. Os valores dedicados ao governo brasileiro para a ciência costumam representar menos de 1% do orçamento geral da União.

Segundo o presidente da SBPC, cortes amplos causarão danos irreversíveis aos atuais quadros de pesquisa no país. São atividades localizadas principalmente entre as ciências duras (como biologia e química), onde o trabalho de laboratório por vezes requer a preservação de certa espécie de bactéria, ou a observação de longo prazo de reações.

Outro problema grave virá com a fuga de recursos humanos: com a falta de verbas, aspirantes da ciência e do magistério irão buscar carreiras no exterior, contribuindo para o desenvolvimento estrangeiro em detrimento competitivo do Brasil. Mozart Neves Ramos, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em entrevista ao Radar do Futuro informa que um professor em início de carreira ganha 11% a menos do que outros profissionais também começando no mercado. A diferença chega a 43% durante a vida profissional, e, em seus últimos estágios, pode chegar a 70%. O principal problema que desanima os jovens é a falta de perspectiva de carreira. Em divulgação oficial, a SBPC reiterou o compromisso constitucional do Estado brasileiro com a ciência, incluso no artigo 218 da Constituição Federal: O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.

§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.

§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

Barreiras políticas contra a ciência

O que leva a classe política a cogitar cortes em uma área tão socialmente valorizada como a ciência e o ensino superior? No Brasil, existe uma distinção legal que separa “despesas obrigatórias” e “despesas discricionárias”. As primeiras são protegidas, porque, depois de fixadas em valores, estes não podem ser diminuídos livremente. Entre as obrigatórias, estão os salários dos cargos públicos. Para cortar esse tipo de despesa, é necessária aprovação de Emenda Constitucional no Congresso Nacional. Já os gastos discricionários, que incluem ciência, cultura e infraestrutura, podem ser enxugados sem grandes esforços legais.

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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