Com passagens aéreas mais caras, ônibus é saída entre passageiros

Aumento do preço do querosene de aviação e crescimento na demanda de voos são as principais razões para os valores altos das passagens aéreas

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6 min readAug 5, 2022

Por Ana Clara Ramos e Marcos Albuquerque

O número de viagens de ônibus no país aumentaram consideravelmente em 2022. Segundo a ClickBus, a maior plataforma online de transações no mercado rodoviário, nos primeiros meses deste ano a empresa viu o volume de vendas de passagens dobrar em relação a 2021 e já está 67% maior em comparação a 2019. As passagens para o feriado da Páscoa, por exemplo, representaram um aumento de 340% em comparação a 2021 e 24% maior do que em 2019. O feriado de Corpus Christi também mostrou aumento, com alta de 81% em relação ao ano passado e de 73% em 2019.

Uma das principais razões para o aumento na procura dessa modalidade de transporte é a alta dos valores pagos nas passagens de avião, que subiram 11,36% em junho, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). Segundo Luiz Carlos de Carvalho, professor de Economia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse crescimento fez com que o preço elevado pesasse no bolso do brasileiro em decorrência do contexto econômico atual. Ele afirma que o aumento do preço das passagens aéreas pode ser explicado por meio de dois fatores: o querosene de aviação (QAV) mais caro e o aumento da procura pelos voos — em função do arrefecimento da pandemia da Covid-19.

Em um ambiente influenciado por essas duas variáveis, Luiz Carlos lembra que pelas características do segmento de viagens aéreas comerciais do país abre-se espaço para que as companhias adotem uma postura que prejudica ainda mais os passageiros. “O setor de aviação comercial no Brasil tem características de um oligopólio, estrutura de mercado onde se tem um pequeno número de empresas oferecendo determinado produto ou serviço. Isso tende a reduzir a concorrência entre as empresas que atuam no setor, fator que aumenta o poder das empresas de cobrar preços mais altos.” Assim, as empresas aéreas colocaram o preço que quiseram.

Vou de ônibus

Silvania Furlan, de 45 anos, é moradora de Riqueza, município localizado no extremo-oeste de Santa Catarina. Profissional da área da educação, iniciou no ano passado um mestrado na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) através do ensino remoto devido à pandemia da Covid-19. Agora, com o retorno das aulas presenciais, precisa deixar o interior do estado e ir até o campus em Florianópolis toda semana, onde tem aulas às terças e quartas-feiras.

Quando soube que teria que se deslocar com essa frequência, realizou levantamentos de preços nos modais rodoviário e aéreo, mas logo percebeu que ir de avião, embora fosse melhor no âmbito logístico, não caberia no bolso. “Pesquisei os preços, fiz várias simulações. A diferença era muito considerável. Então optei por andar de ônibus”.

Segundo o economista, “mesmo que os preços das passagens de ônibus tenham subido também, com o aumento do preço do diesel e da demanda por este tipo de meio de transporte, o fato de a passagem de avião representar uma maior parcela na renda das pessoas, principalmente aquelas com rendas menores, [isso as] leva à substituição do avião pelo ônibus”. Para ele, os consumidores estão destinando a diferença de gastos entre os dois meios para a compra de produtos essenciais, que também estão mais caros. “Eles tiveram seus preços aumentados, em decorrência da subida da inflação que ocorreu no país, principalmente nestes últimos doze meses”.

Esse é o cálculo feito por Silvana, que fez um balanço da pertinência de seus gastos. Com o valor que iria gastar em um único trajeto de ida e volta de avião entre a capital catarinense e a cidade de Riqueza, em torno de R$ 1.500,00 por semana, ela consegue pagar por todos os deslocamentos de ônibus que faz ao longo do mês. A escolha levou em conta o quanto o investimento impactaria nas contas da família composta por ela e a filha, Milena, de 23 anos. “Nós tivemos que fazer algumas escolhas. Lá em casa estamos priorizando alimentação, saúde e educação, principalmente com a situação econômica atual, para evitar ficar em má situação financeira”.

Mesmo entre as pessoas com maior poder aquisitivo, o modal rodoviário tem sido escolhido. Para visitar a família em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, Angélica Vieira, de 41 anos, moradora de Florianópolis, ficou com a opção mais barata. “Eu até conseguiria pagar pela viagem de avião, mas ainda assim, com os valores altos como estão, acabei me forçando a ir de ônibus”. Angélica escolhia o avião pela praticidade e rapidez das viagens, mas isso por hora, ficou pra trás. “Antes valia a pena, o preço era bem menor. Mas o ônibus garante meu conforto também”.

Porque pesa no bolso

O custo para abastecer as aeronaves cresceu acompanhando o aumento geral dos valores dos combustíveis, balizados pelo dólar, em um cenário de maior preço por litro, além das oscilações da taxa de câmbio. Dados da Petrobras indicam que, de 1º de janeiro a 1º de junho de 2022, o preço da querosene acumulou alta de 64,3%. O crescimento acompanha uma tendência já observada no ano anterior, em que o acréscimo de 2021 foi de 92% comparado a 2020. A Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) destaca que “o QAV responde historicamente por mais de um terço dos custos do setor, que por sua vez têm uma parcela superior a 50% dolarizada.”

Segundo levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), levando-se em conta somente o primeiro trimestre de 2022, o QAV teve alta de 82,7% em relação ao mesmo período de 2019. A cotação do dólar em relação ao real teve aumento de 38,7% na mesma base de comparação.

Já em relação à demanda pelo meio de transporte, a realidade também foi de maior procura por voos. A conta não fechou porque, segundo Luiz Carlos, a disponibilidade de assentos nas aeronaves não cresceu na mesma proporção. Ou seja, com mais pessoas querendo viajar, com uma quantidade limitada de voos, só consegue quem tem dinheiro para bancar os altos valores.

Menos gente para pagar

Para a Abear, o encarecimento da QAV pode frear a retomada das operações aéreas, o atendimento logístico a serviços essenciais e inviabilizar rotas com custos mais altos, como aquelas em trajetos regionais e mais curtos. Na rotina de Jandir Braun, de 46 anos, que deixa Guaíra, no Paraná, e vai até Tramandaí, no Rio Grande do Sul, para trabalhar como chefe de máquinas em uma empresa de atuação marítima, o custo mais alto da rota já causou alteração no trajeto que era feito por conexões aéreas até um tempo atrás. “A empresa pagava tudo pra mim. Era bem mais fácil”.

Hoje em dia, ele segue no mesmo trabalho, mas a opção de deslocamento dada pela empregadora mudou. Para ir da cidade de origem para Itajaí (SC), Jandir passa horas no ônibus para depois seguir até Tramandaí (RS) em um barco do trabalho. “Quando começou a cobrar bagagem [no avião] já tinha ficado ruim. Nesses últimos três anos, com esse governo, subiu ainda mais. E não adianta colocar toda a culpa na pandemia”. Para ir e voltar de ônibus a empresa gasta, em média, R$800,00. De avião, passaria de R$2.600,00.

Algumas vezes ele tenta buscar por horários menos concorridos ou comprar com bastante antecedência, mas, ainda assim, é difícil encontrar passagens mais em conta. “Eu fico de olho na internet, nos aplicativos, mas é difícil”.

Ao lado dele, o colega de trabalho Márcio Ferreira, de 60 anos, também vive a mudança na dinâmica do trabalho por causa do transporte. O trajeto que ambos realizam se repete a cada 28 dias e Márcio precisa vir de Santos (SP) até Itajaí. “Se pensar no conforto, acho melhor avião, mas o serviço tá muito medíocre. Uma passagem por R$ 2.400,00? Eu acho um absurdo. O incentivo para as pessoas usarem transporte aéreo é zero”.

Luana Zanatta, de 31 anos, de São José (SC), também foi surpreendida pelo alto custo das passagens. Ao lado do marido, desistiu da viagem que faria para visitar amigos em Brasília. O bate-volta na capital do país custaria mais de R$ 3.000,00 para cada um. “Estava tudo muito caro para uma viagem que seria bem curta. De avião não era viável o valor. De ônibus conseguiríamos pagar, mas o tempo de deslocamento ocuparia muito do nosso tempo livre para essa viagem. Desistimos porque não valia a pena”.

Com a migração do público diante das dificuldades do acesso aos serviços aéreos, a Abear tem ampliado discussões junto ao Poder Público para estimular a criação de políticas que mitiguem o problema. “Recentemente, propomos ao governo a criação de uma mesa permanente de debates para encontrar soluções para a disparada dos custos das empresas aéreas, especialmente o querosene de aviação. Nos reunimos com a Casa Civil, Ministérios da Economia e da Infraestrutura. A sugestão foi bem aceita por todos e já realizamos a primeira mesa de debates com a Casa Civil”, de acordo com a assessoria de imprensa da associação.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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