“Criança não é mãe. Estuprador não é pai”

Pelo direito ao aborto, centenas de mulheres vão às ruas de Florianópolis

Zero
3 min readJun 22, 2022

Por Juliana Ferrari e Rodrigo Barbosa

Debaixo de chuva, nesta terça-feira, 21 de junho, centenas de manifestantes realizaram um ato em Florianópolis em apoio à interrupção da gestação de 29 semanas de uma menina de 11 anos que foi estuprada.

A manifestação teve concentração às 18h, em frente ao Terminal de Integração do Centro (TICEN), de onde partiram para a Praça XV e permaneceram em frente à Catedral Metropolitana de Florianópolis por volta das 20h.

Organizado pela Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto e com o apoio da Frente Feminista 8M SC, do Movimento Negro Unificado e de outros coletivos feministas da cidade, o ato foi marcado pela denúncia de mulheres. “Hoje, eu estou aqui com muito ódio”. A maioria que se prontificou a discursar no megafone questionava o posicionamento da juíza Joana Zimmer e da promotora Mirela Alberton durante a audiência da menina.

“O que a juíza disse para essa criança é uma violação. Porque é isso que o Estado está fazendo desde o princípio, quando não prestou atendimento devido no hospital. Quem deveria proteger, viola. Um adulto que deveria proteger uma criança, viola. O Estado deveria proteger uma criança e a viola”, indagou uma manifestante.

Em audiência, Zimmer e Alberton, respectivamente, da 1ª Vara Civel da Comarca de Tijucas e do Ministério Público catarinense, questionaram se a criança conseguiria aguardar mais uma ou duas semanas de gravidez. Além de outras falas violentas que induzem a vítima a pensar sobre o bebê e o estupro.

“Suportaria ficar mais um pouquinho?”. Ou até mesmo “Quer escolher o nome do bebê?”. A menina responde que não. Após alguns segundos, a juíza continua: “Você acha que o pai do bebê concordaria pra entregar para adoção?”. A criança responde igualmente que não.

Muitas manifestantes se revoltaram também com a ineficiência do atendimento no Hospital Universitário (HU), em Florianópolis, onde a menina e sua mãe procuraram primeiramente por ajuda, em maio deste ano. Elas foram ao hospital dois dias após a descoberta da gravidez, mas o aborto foi negado, alegaram que o procedimento só é feito, sem autorização judicial, até as 20 semanas de gestação. A criança estava com 22 semanas e dois dias.

De acordo com a lei, os abortos são legais em casos de estupro sem a obrigatoriedade de se impor qualquer limitação de tempo gestacional e sem haver necessidade de autorização judicial. A menina foi retirada de casa e levada a um abrigo, enquanto a mãe tentava autorização, pois uma medida protetiva tinha intenção de afastá-la do suspeito de estupro.

“Ela não precisava ter ido à Justiça. No primeiro momento em que a menina e a sua mãe buscaram ajuda, o Estado já a negou, no seu primeiro atendimento no hospital. Ela já tinha este direito. O Hospital Universitário precisa garantir que o direito dessa menina seja consolidado”, diz uma manifestante que é participante da Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

“Na semana passada, tivemos o lançamento de uma cartilha orientando sobre os nossos direitos e o que podemos exigir. Na semana passada. E agora isso acontece com essa criança”, acrescenta indignada.

Manifestantes pedem pela interrupção urgente da gravidez.

De acordo com relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública do primeiro semestre de 2021, Santa Catarina é o segundo estado do Brasil com maior taxa de estupro de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. A pesquisa se baseia em boletins de ocorrência registrados.

“A gente só tá sabendo do estupro dessa menina por causa dessa gestação. Quantas meninas, quantas crianças, estão sendo estupradas a cada minuto? O Estado está fechando as portas para crianças que são estupradas e violentadas, por esse Judiciário. É uma menina da idade da minha filha que está passando por isso. Não dá. Precisamos gritar muito hoje”, gritou Mariana, que é da Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto e foi abusada aos 4 anos de idade.

Nem a Polícia Militar de Santa Catarina, nem a Guarda Municipal de Florianópolis cobriram o ato. Na tarde de hoje, 21, a juíza Zimmer saiu do caso.

Na quarta-feira, 22 de junho, a Frente Feminista 8M SC fará um evento online para debate e organização de outras possíveis manifestações. É possível encontrar o link de reunião na página do Instagram do 8M.

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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