Descarte consciente: o melhor dos remédios
Destino incorreto de medicamentos afeta a saúde da população e do meio ambiente
Por Diana Koch e Vitor Sabbi
Você curou aquela tosse chata com um xarope há alguns meses, mas ainda sobrou meio vidro do santo remédio. O que você faz com ele? Guarda na famosa “farmacinha” de casa? E se o remédio vencer, para onde vai? O administrador Ricardo Ávila da Silva, 31, é direto ao afirmar que o descarte é feito no lixo comum.
Assim como Ricardo, muitas pessoas não sabem que os medicamentos podem poluir o meio ambiente e acabam jogando no lixo comum ou em algum ralo. Mas, segundo a engenheira sanitarista Sara Meireles, os remédios possuem micropoluentes que se espalham com facilidade no meio onde são descartados e, por isso, devem receber um tratamento diferenciado. Esses produtos são feitos de substâncias tóxicas e ao entrarem em contato direto com a natureza contaminam o solo e a água.
Depois que os medicamentos entram no sistema de esgoto ou vão para um aterro sanitário comum, fica quase impossível controlá-los. Isso porque as substâncias químicas tóxicas se dissolvem entre as demais. A professora de Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Célia Teixeira de Campos, explica que os remédios não podem ser descartados de qualquer maneira. “A gente tem que pensar que é um resíduo químico e tóxico. Ao misturar um resíduo tóxico com o nosso lixo comum estamos contaminando o comum com o tóxico e mandando tudo isso para o meio ambiente”.
Há também o risco direto à saúde da população que pode reutilizar por acidente ou intencionalmente esses produtos. De acordo com o Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina, em 2015 foram atendidos 660 casos de intoxicação humana no estado catarinense por uso acidental de medicamento. Os fármacos ocupam também o primeiro lugar nas exposições tóxicas, principalmente em crianças. Além disso, os antibióticos, por exemplo, descartados na natureza podem fazer com que as bactérias fiquem mais resistentes.
Legislação
O Brasil está entre os dez países que mais consomem medicamentos no mundo, segundo o Conselho Federal de Farmácia. Para se ter ideia há cerca de uma drogaria para cada 3.300 habitantes. Mesmo assim, não existe uma lei que regulamente o descarte correto destes materiais vencidos ou sobras sem uso pelo consumidor.
Desde 2010 o Ministério do Meio Ambiente discute sobre o assunto por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecida pela Lei 12.305 e Decreto nº 7404, e a Logística Reversa, um acordo que torna as empresas que produzem este tipo de material responsáveis pelo recolhimento e destinação final ambientalmente adequada. Mas, a PNRS não prevê ainda a Logística Reversa em relação aos medicamentos vencidos.
Segundo a professora de Farmácia da UFSC Célia Teixeira de Campos, cabe a cada município tomar iniciativa e criar normas que estabeleçam os procedimentos e as etapas da coleta e destinação destes materiais. Em Florianópolis, não há uma legislação específica que obrigue que farmácias ou estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, recolham os medicamentos vencidos da população. Porém, segundo algumas normas técnicas nacionais, estes locais estão autorizados a oferecer esse serviço.
A Instrução Normativa nº 03/2015, responsável pelas diretrizes dos serviços de assistência farmacêutica, no artigo 71, diz que “as farmácias poderão receber dos usuários medicamentos vencidos e/ou danificados (padronizados pela rede pública ou não), devendo segregá-los e enviá-los diretamente à Central de Abastecimento Farmacêutico, sem necessidade de registro no Infoestoque, embalados e com sinalização que mencione: ‘medicamentos para descarte’.”
Evitando o problema
Uma das formas de evitar o problema é tomar os cuidados básicos de consumo de remédios: não fazer automedicação e seguir rigorosamente o tratamento prescrito pelo médico, assim, além da melhora no quadro de saúde, não se acumula restos dos produtos em casa. Mas, se mesmo seguindo a receita médica sobrarem medicamentos, a engenheira sanitarista Sara Meireles recomenda levar de volta ao estabelecimento que o forneceu.
De acordo com a Secretaria de Saúde de Florianópolis, todas as Unidades Básicas de Saúde do município estão autorizadas a receber resíduos de medicamentos da população. É o que faz a aposentada Irma Ribeiro. “Dificilmente sobra porque eu tomo remédios contínuos. Mas quando isso acontece levo tudo para o posto de saúde e lá eles sabem o que fazer”.
Além disso, desde 2009, um regulamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possibilita que farmácias e drogarias participem de programas voluntários de coleta de medicamentos vencidos. Mas como é voluntário, nem todas oferecem esse tipo de serviço. Em Santa Catarina, um exemplo é o Programa Papa-pílula da rede de farmácias Sesi, que até o fechamento desta edição contabilizava 853.555 medicamentos coletados.
Nos dois casos, rede pública ou farmácias privadas, os remédios vencidos devem ser levados aos pontos de coleta, preferencialmente dentro de suas embalagens. Lá, eles serão separados. Os líquidos e pastosos são armazenados em recipiente próprio, assim como as pílulas e as caixas de embalagens. Já as seringas, agulhas e materiais cortantes precisam ser levados aos postos de saúde. As farmácias não recebem esse tipo de resíduo da população. Para a professora de Farmácia Célia Teixeira de Campos, os perfurocortantes precisam de ainda mais atenção. “Esse material deve ser descartado em uma embalagem resistente a furos e a rasgos”.
A Proactiva Meio Ambiente é uma das empresas de Florianópolis que recolhe os medicamentos vencidos de diversas instituições que geram, de alguma forma, esses resíduos. Após coletados, são transportados até o Parque de Gerenciamento de Resíduos (PGR), em Biguaçu, onde são armazenados temporariamente em depósitos. O destino final normalmente é um aterro industrial licenciado, mas produtos mais perigosos, como os perfurocortantes, são incinerados.