Alternativa: Para as discussões do clube do livro, criado em conjunto com as amigas, a preferência é por obras mais baratas. “Cada vez mais, estamos abrindo para outras pessoas entrarem, porque percebemos a dificuldade que é ter um espaço para falar sobre livros”, conta Bianca. Foto por Luiza Monteiro.

Editoras repensam estratégias em meio à crise

Clubes do livro, booktubers e audiolivros são novidades para atrair leitores

Zero
9 min readJun 18, 2019

--

Texto por Fernando Perosa e Pâmela Schreiner

Todo romance tem um clímax, uma reviravolta que deixa o protagonista em um beco sem saída. Neste momento, ele precisa encontrar uma solução. Traçando um paralelo com a realidade, é assim que se encontra o mercado editorial brasileiro. No último trimestre de 2018, as duas maiores redes de livrarias do país anunciaram medidas que abalaram a indústria de livros: a Cultura pediu recuperação judicial e a Saraiva, após fechar 20 lojas (inclusive uma de suas unidades em Florianópolis, no Beiramar Shopping), fez o mesmo. Para contornar essa situação de crise, as editoras precisam se adaptar às mudanças do mercado e buscar novos meios para atrair leitores.

O fechamento destas lojas e as dívidas, principalmente da Saraiva, que chegam a R$ 675 milhões, segundo dados do processo que corre na Justiça, afetaram diretamente as editoras, por conta do modelo de negócio dessas empresas. No Brasil, as livrarias trabalham com o sistema de consignação, em que não compram os livros das editoras, mas “pegam emprestado” e expõem em suas lojas. Depois de um tempo, as livrarias prestam contas para as editoras e devolvem os exemplares que não foram vendidos. Nesse modelo de negócio, quem mais se arrisca são as editoras, que investem alto em uma publicação, sem saber quando e quanto vão receber. É um jogo de equilíbrio complicado, pois as editoras poderiam vender seus produtos em um site próprio e com um preço mais acessível ao leitor, mas precisam da exposição de seus lançamentos proporcionada pelas grandes redes, que extrapola as barreiras virtuais e chega a todos os tipos de público.

O mercado editorial também sofreu com queda na venda de livros nos últimos anos. Analisando a lista dos dez livros mais vendidos de cada ano, no período de 2014 a 2018, percebe-se uma redução de 36,8% no número de unidades comercializadas, de acordo com dados do Publish News. Em 2014, o livro mais vendido foi Nada a perder 3, de Edir Macedo, com 870.094 exemplares, enquanto em 2018 foi A sutil arte de ligar o f*da-se, de Mark Manson, com 439.251 unidades, ou seja, quase a metade. Essa queda nas vendas, aliada à crise da Saraiva e da Cultura, desencadeou uma revisão, e consequente diminuição, dos lançamentos anuais, além de uma série de cortes de profissionais do editorial e do comercial, como aponta Sandra Espilotro, profissional do livro que foi gerente geral da área de Publicações da Editora Globo por 30 anos. “Foi um dos maiores baques da indústria do livro, talvez o maior da sua história. Os editores sabiam que as coisas iam mal, com pagamentos protelados, negociados, atrasados… mas a situação em outubro de 2018 ficou terrível”, ressalta Sandra.

Em um período de cinco anos, o número de exemplares vendidos caiu 37%. O dado se refere aos 10 livros mais comercializados de cada ano, de acordo com o Publish News. Arte: Daniela Müeller

É um momento de mudanças e reflexão para o mercado editorial. “Tudo está mudando o tempo todo, inclusive a relação dos leitores com os livros, com os autores, as livrarias, as editoras, o cenário ainda não está muito definido”, comenta Ana Lima, editora executiva da Galera Record por quase 18 anos. A indústria musical precisou pensar em novas formas de consumir música no início dos anos 2000, quando os CDs perderam espaço para o meio digital. As gravadoras usaram a Internet a seu favor, distribuindo músicas online e, mais recentemente, nos serviços de streaming. As editoras se encontram nesse mesmo contexto, onde é necessário reinventar e procurar novas formas e formatos para atrair leitores.

Encontrando novos leitores

Um dos problemas que as editoras vêm enfrentando é o acúmulo de livros nos estoques, o que gera prejuízos financeiros, uma vez que cada exemplar tem um custo para ser produzido e não gera lucro caso não seja vendido. O e-book é uma alternativa para essa questão. E-books são livros digitais que podem ser lidos em dispositivos eletrônicos, como computador, celular, tablet e e-readers (equipamentos eletrônicos exclusivos para leitura). A última pesquisa sobre consumo de livros digitais do Instituto Pró-Livro, divulgada em 2016, mostrou que 26% dos leitores brasileiros já haviam lido um e-book. Entre seus atrativos estão a instantaneidade (quem compra o livro pode começar a lê-lo na hora), portabilidade (são vários exemplares em um único dispositivo) e preços mais baixos. Por exemplo, o preço de capa da obra mais vendida de 2018, A sutil arte de ligar o f*da-se, é R$ 34,90, enquanto o e-book pode ser comprado por R$ 16,79 na Amazon.

Com a popularização dos e-books, editoras estão investindo em publicações digitais e já existem empresas especializadas apenas nisso. Sandra Espilotro saiu do mercado editorial tradicional e fundou, junto com o filho Tiago Ferro, a e-galáxia, uma editora que oferece serviços de arte, texto, publicação e distribuição de e-books. A e-galáxia já tem em seu catálogo 390 autores, no entanto, Sandra considera que ainda é essencial a construção de um hábito de leitura digital. “O livro físico nunca vai sumir, mas dividirá espaço com o e-book, porém devagar — afinal são 400 anos lendo no papel, não se pode esperar uma migração grande. O leitor ainda precisa aprender que ler no e-reader é confortável, prático e mais barato”, esclarece.

Outro modo de consumir literatura que vem crescendo no Brasil é o audiolivro. Nos Estados Unidos, esse mercado movimentou US$ 2 bilhões em 2016 e, no ano seguinte, vendeu mais de 10 milhões de unidades. O audiolivro dá ao leitor a possibilidade de fazer outra coisa ao mesmo tempo em que escuta uma história, além de ser um formato inclusivo e acessível. “Para você ler um livro, exige-se uma atenção que o mundo de hoje não dá. É difícil, você precisa se desligar e muita gente não tem tempo para isso”, pontua Ana. A Ubook é uma das empresas que apostam nesse serviço. O usuário faz uma assinatura mensal e tem acesso a todo o catálogo, incluindo livros, revistas, podcasts, jornais, palestras e entrevistas. A narração é feita por atores, locutores e até mesmo pelos próprios autores.

Neste momento de incertezas, as editoras se esforçam para não esquecer do objetivo mais importante: criar novos leitores. Pensam em formas de chegar, abordar e se conectar com esse público, através de redes sociais, feiras, clubes de livro, produzindo edições especiais e investindo no meio digital. A editora DarkSide foi criada em 2013, inicialmente com foco nos gêneros terror, suspense e fantasia. Uma característica forte da marca é pensar em todos os elementos gráficos do livro, desde capa, marcador de página, ilustrações e brindes, para garantir uma experiência literária diferente. O catálogo segue uma identidade visual particular; quando o leitor vê um livro da editora, já identifica na hora que é DarkSide.

Não basta apenas produzir e vender livros para conquistar leitores. “Enquanto algumas editoras se agarram em salvar o modelo tradicional, outras timidamente abrem novos canais de contato, esticando os músculos para entender como falar direto com o leitor”, constata Daniel Lameira, editor da Aleph e fundador da Antofágica, que lançou seu primeiro livro no mês de maio. A editora surgiu com a proposta de aproximar o público de clássicos da literatura, reeditando esses livros com novos projetos gráficos, apresentações escritas por criadores de conteúdo do YouTube e textos de profissionais e acadêmicos relacionados à obra. A Antofágica também busca atrair a atenção dos leitores com a produção de conteúdo original, como vídeos, resenhas e newsletters.

Para além das editoras

Para fazer a divulgação de lançamentos, muitas editoras formam parcerias com booktubers, pessoas que falam sobre livros em vídeos no YouTube. Eles criam conteúdos relacionados aos livros e geram engajamento em suas redes sociais, o que para as editoras funciona como publicidade para atingir o público-alvo da publicação. “São pessoas comuns, das mais diferentes áreas, dividindo suas opiniões de leitura e criando uma relação de confiança com quem os acompanha. O conteúdo por eles criado é repleto de opiniões pessoais, empolgação, interpretações diferentes do que está lá acontecendo e troca com o leitor”, explica Daniel, no artigo Livros e YouTube, publicado no Medium. A maior booktuber do Brasil, Bel Rodrigues, tem mais de 600 mil inscritos em seu canal, que fala principalmente sobre suspense, terror e criminologia. Recentemente, a DarkSide patrocinou um vídeo em que Bel fala sobre lançamentos de livros de crimes reais no Brasil, incluindo a nova aposta da editora.

Os booktubers começaram seus canais porque sentiam falta de um espaço para comentar sobre suas leituras. Entretanto, o YouTube ainda é uma plataforma unilateral, em que uma pessoa fala para outras pessoas e não diretamente com elas. “Nós acabamos escutando outras pessoas falarem sobre livros hoje na Internet, mas isso ainda parece muito distante, falta um lugar onde podemos discutir esse gosto pela literatura”, conta a estudante de Jornalismo Bianca Jung. A solução encontrada por ela e pelas amigas para realizar esse desejo foi criar um clube do livro. Mensalmente, elas escolhem uma obra pelo grupo do WhatsApp e se reúnem em um café para conversar sobre sua impressões. “É muito interessante como os livros conseguem causar várias sensações e emoções, conseguimos juntas vivenciar a mesma experiência através da leitura”, finaliza.

Promover uma experiência que vai além das páginas também é o objetivo do Turista Literário, um clube de assinaturas de livros criado em 2016 que, todo mês, entrega aos assinantes uma caixa contendo um lançamento de livro do gênero jovem adulto lançamento. A ideia do Turista é fazer o leitor embarcar em uma viagem ao universo do livro, utilizando itens especiais para estimular os sentidos, incluindo um souvenir da viagem. “Acredito que existe tanto a busca da curadoria, que vai entregar um bom livro e recursos para o assinante expandir a leitura; como a questão da surpresa. Um presente pra si todo mês. Além de ser mais uma forma de se conhecer gêneros ou autores que a pessoa talvez nunca escolhesse sozinha”, afirma Mayra Sigwalt, co-fundadora e curadora do clube.

Assim como o Turista, existem diversas caixas literárias com diferentes propostas. A TAG Livros, fundada em 2013 por três ex-estudantes de Administração, apresenta aos assinantes duas opções: TAG Curadoria, com livros indicados por grandes nomes da literatura, e TAG Inéditos, com best-sellers internacionais ainda não lançados no Brasil. Algumas editoras estão investindo no mercado de caixas literárias, como a Intrínseca. O clube Intrínsecos traz uma edição exclusiva em capa dura dos próximos lançamentos da marca, que só chegarão às livrarias 45 dias ou mais depois do envio da caixa para os assinantes.

Com a crise do mercado editorial e a queda no número de lançamentos, ficou ainda mais difícil para um autor iniciante mostrar seu trabalho. É na Internet que novos escritores estão encontrando espaço para publicar suas histórias, em plataformas de publicação independente, como o Wattpad e o serviço de autopublicação da Amazon. No primeiro, os autores disponibilizam contos, romances, poemas, fanfics, entre outros, de forma totalmente gratuita para os mais de 70 milhões de usuários do site; já no segundo, os autores não pagam para publicar, mas as obras são vendidas no aplicativo e nos aparelhos Kindle e 30% do valor total das vendas vai para a empresa. A paulista Ray Tavares é uma autora que ganhou notoriedade no Wattpad com Os 12 signos de Valentina. O livro teve mais de 2,5 milhões de leituras e chamou a atenção da Galera Record, que comprou os diretos da obra e a transformou em uma edição física. Em 2019, mais uma história de Ray vai virar livro e teve os direitos de adaptação adquiridos pela Paris Filmes.

Com a ajuda financeira dos próprios leitores, escritores estão encontrando formas de publicar livros em edição física sem necessariamente precisar de uma empresa por trás do processo. Phellip Willian e Melissa Garabeli foram procurados por editoras para lançar a história em quadrinhos Saudade, mas as propostas recebidas não eram interessantes para eles. Em 2017, os autores optaram por um financiamento coletivo, através do Catarse, em que leitores interessados puderam contribuir para viabilizar a publicação. A ideia deu certo: com a ajuda de 852 apoiadores, Saudade arrecadou mais de R$ 42 mil, superando a meta inicial, de R$ 20 mil, em 210%. “Os maiores desafios são a divulgação e a venda. O autor tem um esforço grande de criar, desenvolver, imprimir, divulgar, vender, enviar. Ele faz todo o processo do mercado editorial sozinho”, analisa Phellip. O Catarse funciona como uma espécie de pré-venda, um lugar onde leitores entram em contato com novas histórias e podem ajudar a torná-las realidade.

--

--

Zero
Zero

Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

No responses yet