Emissário de esgoto sanitário será instalado ao lado da primeira Reserva Extrativista Marinha do Brasil

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6 min readDec 13, 2023

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Ainda sem licença ambiental, projeto prevê lançamento equivalente a sete piscinas olímpicas de esgoto tratado por dia na Baía Sul de Florianópolis.

Felipe Bramucci — fgbramucci@gmail.com e Mateus Spiess — mateusspiess@gmail.com

O projeto para instalação de um emissário terrestre de esgoto sanitário, proposto pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), na Baía Sul de Florianópolis, está com processo licitatório concluído. Entretanto, até o momento, não possui licença ambiental pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA). O emissário lançará mais de 17 milhões de litros diários de esgoto tratado na enseada do Bairro Saco dos Limões, com possibilidade de aumento da quantidade da vazão a médio prazo — até 2040.

O documento de licitação do projeto prevê a vazão inicial de até 200 litros por segundo (l/s) de efluente, item que dispensa a Casan de realizar um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), conforme Instrução Normativa n. 05 do IMA. Entretanto, no futuro, a vazão poderá chegar a 900 l/s.

Só a quantidade licitada inicialmente equivale a esvaziar na baía sete piscinas olímpicas de esgoto tratado por dia. A polêmica é que a Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, a primeira do Brasil, está apenas a 1,2 km de distância do emissário, algo que pode ameaçar a produção de maricultura da região.

Sem odor nem sujeira: Casan afirma que tratamento realizado na ETE tem 95% de eficiência

Os moradores do bairro Saco dos Limões, em Florianópolis, criticaram o projeto para instalação do emissário. Em reunião com a comunidade, que contou com a presença de moradores da região e de bairros vizinhos, e representantes de associações de pescadores e ambientalistas, a Comissão de Obras e Infraestrutura da Câmara Municipal de Florianópolis procurou debater a implementação do emissário terrestre. Convidado, o prefeito Topázio Neto (PSD) não compareceu. Na ocasião, o professor de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eloi Melo, entre outros ambientalistas, apresentou o resultado de seus estudos sobre a Oceanografia Física da Baía Sul.

“A Baía Sul é um corpo d’água confinado, sem trocas com o oceano, o que dificultaria a dispersão do efluente no ambiente. As águas ali têm dificuldade de ‘escapar’, tudo o que você jogar ali vai ter dificuldade de sair”, afirma o pesquisador. Segundo ele, a dinâmica hidrográfica da Baía Sul faria com que o esgoto despejado no local ficasse acumulado na região próxima ao emissário. Em períodos de maré cheia, essa água contaminada poderia afetar a foz do Rio Tavares e a Reserva Extrativista.

Durante a reunião, o presidente da Associação de Moradores do Saco dos Limões (Amosac), Sandro Maurício Silveira, destacou o descontentamento da comunidade. Na reunião de outubro, “Eles vão matar a Baía Sul! É um absurdo, sem contar que não houve — até o momento da reunião, nenhuma audiência pública a respeito disso”. Ele afirmou estar preocupado com os danos ambientais e sociais que o projeto causará na região. Com a dispensa do EIA/RIMA, as audiências públicas não são obrigatórias, mas por pressão da comunidade, a Alesc realizou no dia 29 de novembro, uma audiência pública para tratar do assunto.

Andreia Senna, gerente de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Casan, afirma que a instrução normativa do IMA não obriga a apresentar Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) — parte integrante do RIMA. “A companhia não tem a obrigação legal de instaurar uma audiência pública ou consultar os moradores”, enfatiza. Entretanto, ressalta, que a comunidade foi consultada através do estudo de alternativas locacionais, realizado de forma terceirizada pela empresa Engeplus Engenharia e Consultoria. A gerente reconhece o descontentamento da comunidade: “quando se trata de esgoto e saneamento ainda existe muito desconhecimento por parte da população. Todos querem que o efluente seja tratado e lançado em algum lugar, contanto que não seja no quintal deles.”

Andreia reafirma que o projeto está fundamentado em estudos de três anos, realizados pela Engeplus. “Fizemos um dos estudos de alternativas locacionais mais completos do Brasil, apontando a Baía Sul como um dos locais mais propícios para a instalação do emissário”. Segundo a gerente, o transporte de dejetos tratados acontece por baixo da terra, percorrendo a via expressa Sul até chegar ao canal, sem cheiro, barulho ou outro tipo de incômodo.

O problema é o destino final do emissário: o mar da Baía Sul. Utilizada por pescadores e maricultores, a Baía Sul é, historicamente, fonte de subsistência das comunidades tradicionais costeiras da região, e responsável por 95% da produção de moluscos de Santa Catarina, realizada principalmente nas cidades de Florianópolis e Palhoça. A fim de preservar o modo de vida dessa população, e garantir a extração sustentável de recursos naturais como o berbigão, um dos principais organismos vivos cultivados na região, em 1993, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) criou a Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, a mais antiga no Brasil. Segundo o oceanógrafo e doutor em Ciências Marinhas, Guilherme Scheidt, essa Unidade de Conservação seria a principal afetada pelo emissário. “O berbigão, como outros moluscos, é um organismo que se alimenta filtrando a água. Ainda que ele não morra, ele vai absorver contaminantes provenientes do esgoto, como metais pesados e hormônios, isso deixa inviável para o consumo humano”.

Ainda segundo Guilherme, o despejo de material orgânico rico em nutrientes pode ter impactos ambientais graves. “Um dos problemas é o fósforo presente no esgoto. Num ambiente marinho qualquer alteração nos níveis dessa substância pode acelerar a floração de algas, e algumas podem ser nocivas”, ele explica. O crescimento descontrolado desses organismos, segundo o oceanógrafo, pode ocasionar fenômenos como a maré vermelha e a eutrofização das águas no local.

Outras alternativas

Inicialmente, a Casan planejava a instalação de um emissário oceânico, um sistema para deposição do efluente tratado pela Estação de Tratamento de Esgoto Rio Tavares, na região do Campeche, a cerca de cinco quilômetros de distância da costa e a uma profundidade de 35 metros. Para o professor Eloi Melo, essa seria uma alternativa ecologicamente mais sustentável, por conta da dinâmica dos corpos d’água. “A capacidade de diluição do efluente no oceano é muito maior do que na Baía Sul, que é um corpo d’água confinado, onde as águas têm dificuldade de escapar”.

Anunciado em 2009 pela Casan, o projeto foi criticado pela população. Após a realização de uma audiência pública com os moradores do bairro Campeche, em 2019, a companhia decidiu suspender a construção do emissário submarino, e buscar outras alternativas. A ideia não foi descartada completamente, no entanto. Segundo Andréia, os estudos foram feitos e apresentados ao IMA, porém o processo vai demorar cerca de dez anos para ser concluído. “A cidade está crescendo e a gente não pode esperar esse tempo”.

O emissário oceânico não foi a única alternativa discutida. Em agosto deste ano, a Assembleia Legislativa do Estado (Alesc) encaminhou à companhia uma proposição de autoria do deputado estadual Marcos José de Abreu (Psol). A proposta sugere implementar o sistema de jardins filtrantes para a disposição final do efluente. Entretanto, a Casan descartou a ideia por conta da área exigida para o empreendimento. De acordo com a Casan, seria necessário a implementação de um jardim filtrante com o tamanho equivalente a 25 campos de futebol para atender à capacidade de tratamento da ETE. Andreia explica: “é uma boa estratégia de tratamento em municípios menores, mas ainda que este fosse o sistema utilizado, haveria a necessidade de disposição final do efluente tratado”.

Discussão acalorada: Realizada pela Câmara Municipal, reunião ampliada com comunidade do Saco dos Limões apresentou o projeto da Casan, que recebeu críticas de moradores e ambientalistas

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC