Estudantes dependem de auxílio para ficar na UFSC
Apesar de ser um direito, não há vagas suficientes para todos que precisam
Texto por Madu Silva
O condomínio de número 700 da rua Desembargador Vitor Lima, no bairro Trindade em Florianópolis, aparenta ser como qualquer outro. Mas na verdade abriga a Moradia Estudantil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Entre os estudantes que residem ali, está Hemilly Monteiro Gaudencio do Nascimento, que divide seu quarto com outra menina, além de compartilhar a cozinha e o banheiro com mais duas pessoas. “O espaço é bem limitado. Se os quatro decidirem fazer comida ao mesmo tempo, fica muito apertado”, comenta Hemilly sobre a estrutura do edifício.
Atualmente, 167 estudantes de diversos cursos da UFSC vivem no condomínio, que fica ao lado da universidade — são 76 vagas femininas e 90 vagas masculinas. Mas a disputa para conseguir morar ali é muito acirrada: só no primeiro semestre de 2019, mais de 500 alunos entraram em contato com a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) para conseguir uma vaga na moradia estudantil. A coordenadora de assistência estudantil da PRAE, Cláudia Priscila C. dos Santos, revela que a UFSC é uma das universidades com o menor número de vagas na moradia estudantil. “Mesmo com outros programas da pró-reitoria, a necessidade do aluno residir na universidade sem a especulação do mercado imobiliário não é suprida”, sinaliza a coordenadora.
Hemilly tem 24 anos, é natural de Abreu Lima, Pernambuco, estuda no curso de animação da UFSC e faz parte do grupo de estudantes da universidade que possui renda familiar menor ou igual a um salário mínimo e meio per capta, cálculo feito através da soma da renda bruta mensal da família dividida pelo número de pessoas que residem na casa. Por conta disso, ela conseguiu fazer parte de dois programas oferecidos pela universidade: a moradia estudantil e a bolsa permanência no valor de R$ 698,11 (valor referente ao último edital da PRAE).
Hemilly vem de uma família com poucos recursos e sem condições de mantê-la longe de casa. “A minha família é apenas eu, minha irmã e meu pai. Morávamos num sobradinho no terreno da minha avó”, conta a estudante. Aprovada no vestibular de 2016, Hemilly finalmente viu a oportunidade de cursar o que mais gostava. Sem condições de pagar aluguel, ela foi em busca dos programas ofertados pela universidade, que surgiram como alternativa para conseguir realizar seu sonho de entrar no ensino superior. “Fiquei com medo de não ser aprovada no cadastro, porque na UFSC é tudo bem concorrido, são poucas vagas para muitas pessoas”, lembra Hemilly.
Assim como Hemilly, o estudante de Engenharia Civil, Giovani Araújo, 19, também é residente da moradia estudantil da UFSC. O aluno veio de São Paulo com uma “vaquinha” feita pelas tias. “Eu viria de algum jeito. Meus pais não tinham como pagar, então minhas tias se juntaram para arrecadar algum dinheiro, que foi suficiente para a passagem e para passar o primeiro mês, enquanto aguardava sair o resultado da PRAE”. Quando chegou, não tinha onde ficar, então acabou morando de favor na casa de uma conhecida, até que o resultado do edital da PRAE saísse. Após quase dois meses esperando, foi aprovado para receber os auxílios. “Eu sabia que conseguiria o cadastro por conta da renda da minha família. Eu sou o primeiro de oito filhos, além do meu pai que trabalha com calçados e minha mãe é do lar”, conta.
A egressa do curso de Relações Internacionais, Vanessa Canei, também residiu na Moradia Estudantil da UFSC durante a graduação. Ela iniciou os estudos na universidade em 2012 e, como tantos outros estudantes de famílias de renda baixa, precisava de auxílio para ter onde morar longe de casa. “Quando vim estudar na UFSC, eu estava trabalhando em uma empresa de telemarketing para conseguir me manter, mas a rotina era muito pesada, não estava dando conta. Então saí da empresa e procurei informações sobre os programas de permanência estudantil da universidade”, relata Vanessa, que não conhecia a PRAE até aquele momento.
Na época em que entrou no curso, para receber a bolsa de apoio financeiro da universidade era necessário fazer parte de um projeto com uma carga horária mínima de 20 horas semanais. O movimento estudantil contestava essa exigência e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) interviu para que a bolsa fosse apenas de apoio aos estudantes. “Essa é uma das políticas de permanência, não pode ser cobrada em horas”, explicou Vanessa, que na época participava do movimento estudantil.
Mas nem todos têm a mesma sorte que Hemilly e Vanessa tiveram. A estudante de Jornalismo Inara Santos Chagas, de 20 anos, é natural de Cianorte, no Paraná. Desde o início da sua graduação em 2017 tenta participar de alguns programas da PRAE, mas o único que conseguiu foi a isenção no restaurante universitário. “Desde que entrei, todo semestre tento benefício da PRAE. Moradia eu já desisti, existem pessoas que precisam ainda mais do que eu, que têm renda baixíssima”. Inara saiu de Cianorte sem saber como ia se virar em Florianópolis. “Quando contei para meus pais foi uma felicidade, mas nós não sabíamos como seria dali pra frente”, lembra a estudante. A viagem longa para visitar os pais é feita apenas duas vezes ao ano, já que ela utiliza toda a renda que tem para se manter na cidade. “Eu não penso em atrasar o curso, porque se eu atrasar vão ser mais seis meses que meus pais vão pagar o aluguel”, finaliza a paranaense.
Ao contrário de Inara, Thiago José da Costa, 24, prestou vestibular para Ciência da Computação. Foi aprovado, mas conseguiu permanecer apenas dois semestres na universidade. Morador do bairro Rio Vermelho, em Florianópolis, a cerca de 33 quilômetros de distância da universidade, Thiago fez o cadastro na PRAE, mas não conseguiu receber nenhum auxílio. “É muito difícil pensar em cálculos quando você tem que procurar um emprego para se sustentar”, relata. Tendo consciência da importância dos estudos, ele pensa em retornar em breve para a universidade. “Esse ano vou fazer o vestibular de inverno, durante o dia vou trabalhar e à noite vou focar nos estudos”, finaliza Thiago.
Além da moradia estudantil, a UFSC oferece o Programa de Apoio Emergencial de Permanência (Paep), um espaço físico onde estudantes ficam alojados até a saída dos editais da moradia ou até conseguirem um lugar para morar. Mas ainda assim muitos alunos ficam sem ter onde morar e muitas vezes acabam largando os estudos. “Temos só 167 vagas na moradia, esse semestre foram abertas 4 vagas no Paep para um universo de 26 mil estudantes”, lamenta a coordenadora da PRAE.