Fazer o bem faz bem

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A importância do trabalho voluntário como forma de ajudar o outro e a si próprio.

Texto por Dominique Cabral

Era um dia chuvoso de um sábado, às 14h30 da tarde, no Hospital Universitário de Florianópolis. Para alguns essa descrição pode causar desânimo, mas não para os Terapeutas da Alegria, que chegam ao hospital cantando e fazendo festa. O primeiro quarto a ser visitado não parece dos mais animadores: uma senhora encostada na parede, tinha um olhar fixo de quem não olhava nada e pensava muito. De repente, ao ver os palhaços entrando, abriu um leve sorriso sem mostrar os dentes.

Conversaram por alguns minutos, a paciente logo se abriu, contou que era professora e que adorava ensinar. Lamentou aos visitantes o caso de sua companheira de quarto que acabara de entrar em cirurgia, era seu aniversário de 15 anos. “Que belo presente, não é?” — exclamou a senhora com tristeza no rosto. Antes de deixar o quarto, os palhaços presentearam a paciente com um origami em formato de pássaro. Quando eles saíram, a senhora nem percebeu, estava ocupada contemplando e sorrindo para aquele presente tão simples mas significativo.

Assim como os Terapeutas da Alegria, existem outras pessoas que visam o bem ao próximo. O voluntariado foi definido no Brasil pela Lei 9.608 de 1998. Entende-se trabalho voluntário como uma atividade não remunerada realizada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos e assistência social. Ser voluntário é muito mais do que a lei pode dizer, significa doar um pouco de tempo para o outro.

Em Florianópolis, a procura por esse tipo de trabalho sempre foi expressiva, mas muitas pessoas não sabiam como começar. Em outubro de 2017 foi criada pela Prefeitura da cidade, a rede solidária Somar Floripa, com o intuito de juntar pessoas que querem se voluntariar em causas sociais que precisam de colaboração

Através da plataforma digital SomarFloripa.com as pessoas se cadastram e procuram a instituição com a qual têm maior afinidade. Atualmente, são 5.425 pessoas cadastradas e 79 organizações conveniadas. Para quem não tem o tempo para se doar, a plataforma também arrecada donativos, produtos de limpezas, cobertores e outras objetos que as ONGs estiverem precisando.

Na capital catarinense, há organizações que necessitam de colaboração para se manterem e para melhorarem sua rede de solidariedade. Um exemplo é o Lar de Idosas Seove que se encontra no bairro Campeche, e abriga hoje 27 senhoras em situação de vulnerabilidade social. A instituição é um organização filantrópica e não visa lucro. A entrada na casa se dá através do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Isso se dá devido a parceria estabelecida com a prefeitura, que paga os funcionários da organização. O restante da verba é subsidiado por doações e boas ações da sociedade.

A Seove conta com dois brechós: um de roupas e outros de imóveis. Todo o lucro arrecadado é destinado diretamente às necessidades das idosas. Mariana Coelho, que cuida da parte financeira e de divulgação, diz que a participação dos voluntários é fundamental. “Hoje 50% do nosso funcionamento é por conta de voluntários, sem eles a casa provavelmente não existiria”. Onde ajudar é o que não falta na instituição, há espaço para a triagem de roupas e móveis, dar uma caminhada com as velinhas, cortar suas unhas e cabelos ou, até mesmo, participar do mutirão, que acontece uma vez no mês, para cuidar da manutenção da casa.

Carmen Eger, Fabiana Fraga e Leda Steinhorst cuidam da parte da triagem de roupas que vão para o brechó da Seove. Leda Steinhorst, que é ex-bancária, pensava que precisava ter algum tipo de especialidade para conseguir ajudar. “Não sou médica, psicóloga e nem cabeleireira. Só o carinho, o amor, o abraço já são muito importantes.”

Além de vontade de fazer o bem, o voluntário da Seove precisa passar por um curso de capacitação com a assistente social. A preparação tem o objetivo de ensinar as regras da casa e conscientizá-lo do que ele pode e não fazer.

Outro projeto de voluntariado são os Terapeutas da Alegria, para participar é necessário disposição e comprometimento, o objetivo do grupo é fazer visitas no Hospital Universitário em Florianópolis, também conhecido como HU. O trabalho utiliza a arte e cultura como ferramentas terapêuticas para minimizar o sofrimento dos pacientes internados nos hospitais. O projeto é um trabalho voluntário coordenado e mantido pelos próprios integrantes.

Os Terapeutas da Alegria fazem parte do Núcleo de Humanização, Arte e Saúde (NuHAS). Entre as ações realizadas pelo grupo encontram-se cursos, oficinas, palestras e participações em eventos científicos, artísticos e culturais. O núcleo conta com três projetos: Humanizarte, Terapeutas da Alegria e Simulações Clínicas.

Para quem tem o desejo de participar, o núcleo abre vagas todo início de semestre e as inscrições são divulgadas na página do Facebook (Terapeutas da Alegria). Os novos integrantes passam por um semestre de preparo com reuniões semanais, além de imersões. Bruno Hissashi explica a preparação: “trabalhamos a integração do grupo, técnicas básicas de expressão, palhaçaria e temas de humanização. No segundo semestre os integrantes começam a acompanhar as visitas ao hospital como estagiários, para desenvolver o seu palhaço e depois virarem coordenadores do projeto”.

Após o curso de preparação, o local dos encontro é no Centro de Ciências da Saúde (CCS), todos os sábados, às 14h. Na pequena sala é sempre uma correria, os integrantes começam a fazer suas maquiagens, penteados e escolhem os objetos que levarão ao hospital. Preparação feita, é hora de deixar a identidade pessoal de lado e se transformarem em palhaços, são realizados exercícios de palhaçaria, repasses das regras do HU e o momento mais importante antes de ir é quando colocam o nariz vermelho. Depois disso, Bruno vira Doutor Kurakuka, Thaís se transforma em Lilieca e agora, sim, são todos palhaços.

Os pacientes que recebem os visitantes palhaços ficam muito felizes. Maria da Glória de Oliveira Novas compartilhou em 31 de agosto a seguinte mensagem: “eu acho elogiável esses jovens saírem da casa deles em pleno sábado, que é dia de estar namorando e passeando, para vir trazer alegria para quem está aqui internado e doente sofrendo. A gente aqui não vê o mundo lá fora, só tristeza. Acho que esse trabalho deveria continuar e ter mais apoio, porque ajuda de verdade”. Maria faleceu alguns dias após a visita dos palhaços. Após sua morte, foi enviado aos Terapeutas da Alegria uma mensagem de sua filha, de agradecimento por ter feito sua mãe um pouco mais feliz antes da partida. Para Gustavo Henrique, a pior parte desse voluntariado é ir ao hospital e o paciente não estar mais lá.

As alas do hospital que os voluntários atuam são: cirúrgica, médica, pediatria e emergência. As enfermeiras avisam em quais quartos eles são autorizados a entrar, mas nunca se sabe o que vão encontrar. Thaís Araújo é uma das participantes e diz que o segredo é não criar expectativa. “Cada quarto é um quarto, não podemos esperar nada dos pacientes. Mas a gente se surpreende com as situações, um dos momentos que mais marcantes em um quarto onde havia uma paciente cega, ninguém nos avisou. Tivemos que improvisar, ela tocava no nosso nariz de palhaço, descrevemos como estávamos vestidos. Temos sempre que estar aberto ao outro”.

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