Festival celebra cinema francês com 19 filmes inéditos

Zero
5 min readDec 13, 2023

Na 14ª edição, evento propaga produções francófonas para novas gerações ao menos em 47 cidades brasileiras

Yasmin Mior yasminangelamior@gmail.com | Ana Júlia Gonçalves ana.julia.goncalves.r.de.souza@gmail.com

Uma verdadeira aula sobre a importância do cinema francês na história da Sétima Arte marcou a 14° edição do Festival Varilux de Cinema Francês. Na Capital catarinense, foram exibidos, no espaço do Paradigma CineArte, 19 novos longas-metragens, dois filmes clássicos do cinema francês — sendo eles “Et Dieu créa la femme” (do diretor Roger Vadim), de 1956, e “Le Mépris” (do diretor Jean-Luc Godard), de 1963 –, e uma série ficcional-biográfica sobre a polêmica atriz Brigitte Bardot (dos diretores Danièle e Christopher Thompson), de 2023. Para além do entretenimento, segundo Alfredo Manevy, professor do curso de Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Varilux funciona também como uma política de internacionalização do cinema francês. As exibições ocorreram de 9 a 29 de novembro.

Para ele, a tática “cava um espaço” entre os brasileiros, pensamento esse acompanhado por Christian e Emmanuelle Boudier, diretores e curadores do festival, que afirmam que essa continua sendo a ferramenta mais estratégica para manter viva a paixão do público brasileiro pelos filmes franceses. Em complemento, o professor destaca que o Varilux é uma “estratégia necessária, porque, assim como o cinema brasileiro, vive entrincheirado aqui no Brasil, o cinema de outros países também mal tem espaço”. De acordo com ele, é importante que a França realize iniciativas como essa, que outros países também deveriam fazer o mesmo. O professor destaca que, no Brasil, há uma grande dificuldade de se ver produções cinematográficas originais, e que “esse ano o market share, que representa o número de pagantes de ingressos no país para ver filmes nacionais, foi menos de 1%, e na França esse número é 40%”.

O paralelo é agravado pelo fato de que instituições como a Embrafilme e a Ancine, cujo propósito é dar apoio ao audiovisual brasileiro, têm inspiração na experiência francesa. Mas essa não é a única maneira que o país francófono encontrou para estímulo do cinema nacional. O Cinema Novo, movimento cultural brasileiro das décadas de 1960 e 1970, foi influenciado pelas tendências mais independentes vindas da França, possibilitando uma troca naquela época. Até hoje, as produções midiáticas francesas conseguem despertar o fascínio de brasileiros.

O cinema Paradigma CineArte, em Florianópolis, possui um espaço mais intimista para o público assistir às sessões (Foto: Paradigma CineArte)

Um bom exemplo é o de Luiza Casali, empreendedora e professora de francês, idioma que estuda há, pelo menos, seis anos. A jovem conta que o seu primeiro contato com produções francesas foi quando começou a estudar o idioma — era autodidata, e os filmes a ajudavam a estudar, ter contato e conhecer melhor a cultura francesa, visto que ia fazer um intercâmbio para o país. Ela conta que tem costume de consumir muitos conteúdos em francês, principalmente para levar esse tipo de conhecimento para seus alunos, mas ressalta que no começo as opções eram mais limitadas. “Eu percebi, quando comecei a estudar o idioma, que não tinha tantas produções de idioma francês em streamings, como a Netflix. Já hoje você vê produções até mesmo originais nessas plataformas”, relata Luiza.

Quanto ao Varilux, Casali teve conhecimento do festival exibido em Florianópolis neste ano por meio da rede social do Paradigma CineArte, e diz que está assistindo “Bardot”, a série disponibilizada pelo festival sobre a famosa atriz francesa. “É muito legal quando você tem a possibilidade de ter contato com essas produções que normalmente você não teria se não fosse por esses festivais”, expressa a jovem.

As características do cinema francês

A cinematografia originada na França tem ciclos variados, o que, segundo o professor Alfredo Manevy, dificulta encontrar apenas uma característica definidora para ela. Mas o cinema francófono é marcado por algumas tendências em momentos específicos ao longo de sua história. De acordo com Manevy, os franceses, com os irmãos Lumière e Georges Méliès, são os responsáveis pela criação e desenvolvimento da exibição cinematográfica nos moldes em que é conhecida hoje. “Eu acho que é muito marcante a maneira como os franceses veem a experiência na sala escura do cinema como algo social e coletivo”, ressalta o professor.

Os franceses também contribuíram para movimentos vanguardistas, que, conforme explica Manevy, foram importantes na construção da linguagem do cinema. “A gente pode falar que esse é um momento decisivo na história do cinema. É o cinema moderno, é a Nova Onda do cinema, que eclode na França a partir do que se chama de cinema autoral”, explica. Nessa fase, os filmes eram feitos com menor orçamento e pequenas equipes, com diretores e roteiristas trabalhando de forma inventiva e revolucionária, como era o caso de Jean-Luc Godard, Truffaut e Rivette, destaques do movimento.

“É um momento importante do cinema que vai transcender a França, vai impulsionar os cinemas novos no Brasil, na América Latina, no Japão, nos Estados Unidos e no Canadá. A gente deve à França essa contribuição chave”, destaca o professor universitário. Há, contudo, muitas diferenças notáveis entre os filmes franceses e os brasileiros, conforme destaca Luiza. “As [produções] francesas têm um ritmo mais lento. Há muitos filmes franceses que passam-se apenas em um único cômodo durante toda a duração, e isso é muito difícil de encontrar em outras produções [como as brasileiras]”, diz Casali. Para ela, no entanto, isso não é algo ruim. Com o número de sets reduzidos, a interação entre os atores é maior. Isso, segundo a professora de francês, “te ajuda a entender melhor a cultura e como elas se comunicam e se expressam para além das palavras. Dá para perceber como elas se portam, o grau de formalidade, e eu acho que isso faz toda a diferença”.

Tais características, entretanto, têm como pano de fundo serem destinadas a públicos mais restritos e elitizados, comenta Manevy. “A França tem, sim, esse lado e acho que isso continua, mas a gente tem visto um esforço de se produzir filmes que tenham estratégias de conquistar o público e trazê-lo para sala de cinema”, relata Alfredo. Iniciativas como o Varilux fazem parte deste esforço de criar uma conexão com o público.

E, assim, com mais de um milhão de espectadores fora de seu país de origem desde sua primeira edição, o evento vem sendo considerado como o maior propagador da cinematografia francesa fora da França. No Brasil como um todo, ao menos 47 cidades participaram desta edição, que esteve sob realização da produtora BonFilm, com patrocínio da Essilor/Varilux, da Pernod Ricard/Lillet, do Ministério da Cultura, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Cultura.

--

--

Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC