Fila de espera para adoção é maior do que o número de crianças e adolescentes aptos
O processo de adoção pode levar em média um ano ou mais se o perfil apresentado pelo adotante for diferente do disponível no cadastro
Por Ana Carolina Silva
Atualmente, existem mais de 30 mil pessoas que aguardam na fila de adoção no Brasil, para mais de quatro mil crianças disponíveis para adoção. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualizados periodicamente, e revelam que a quantidade de famílias na lista é 12 vezes maior do que a de crianças e adolescentes considerados disponíveis para adoção.
O processo de adoção no Brasil pode levar em média cerca de um ano. Mas pode durar bem mais se o perfil apresentado pelo adotante for muito diferente do disponível no cadastro. Adotar uma criança é tarefa mais complexa do que um simples passo a passo. Envolve a mudança na vida e na rotina de várias pessoas e, principalmente, o bem-estar de uma criança que, muitas vezes, vem de um ambiente turbulento, e precisa de um novo e amoroso lar para retomar sua história.
Ao longo dos anos houveram mudanças significativas nos termos da adoção. Com a mudança na Constituição Federal de 1988, o instituto da adoção ganhou as atuais práticas. O artigo 227, § 6° da Constituição, eliminou qualquer diferença entre filhos biológicos ou adotados, determinando direitos iguais para ambos, com o mesmo direito à filiação. Foi uma mudança muito importante, visto que, ao romper com o paradigma de que uma família só pode ser constituída mediante casamento, isso aumentou as possibilidades para a adoção.
Em 1990, entrou em vigor o Estatudo da Criança e do Adolescente (ECA), com artigos que preveem o procedimento de adoção. Posteriormente, em 2009, foi sancionada a Lei 12.010/2009, que trouxe inúmeras inovações à adoção, permitindo que pessoas solteiras pudessem adotar, desde que sejam no mínimo 16 anos mais velhas que o adotado. Além disso, foi estabelecido o Cadastro Nacional De Adoção (CNA), no qual deve constar as crianças aptas à adoção e os pretendentes, evitando a adoção irregular, na qual o casal simplesmente “fica” com a criança e a cria sem qualquer processo legal ou acompanhamento do Estado.
Na cidade de Florianópolis, no bairro Ingleses, existe a Casa Lar Semente Viva. Uma casa de acolhimento institucional criada por Scheila Cristina Frainer Yoshimura e outras 12 mulheres da Igreja Palavra Viva, com o intuito de trabalhar de forma voluntária para as crianças. “Foi nessa vontade, com as demais mulheres e com muito trabalho, pesquisas e doações, que a casa de acolhimento abriu as portas”, lembra Scheila. Ela explica que o Semente Viva é uma instituição sem fins lucrativos, criada para ser um lar provisório para crianças e adolescentes.
A metodologia utilizada no Semente Viva, segundo Scheila, é baseada na sociologia da infância, buscando sempre atender às necessidades da criança com um enfoque individualizado, levando em conta todo seu histórico. Após ter acesso à realidade da criança, é elaborado um Plano Individual de Atendimento (PIA) — documento esse que o sistema judiciário tem acesso, para acompanhar o desenvolvimento da criança na instituição. Baseado na realidade de cada uma delas, a equipe técnica e a coordenadora do lar também elaboram um plano de ação individualizado para acompanhamento de cada criança dentro da casa. São considerados seu contexto emocional e social. Depois de elaborado, o plano é socializado com os cuidadores para que cada um desempenhe o seu papel.
A casa mantém nove funcionários contratados via Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), dentre eles, assistente social e psicóloga, que formam o corpo técnico e têm todos os encargos trabalhistas e jurídicos assegurados. A casa, por sua vez, não dispõe de recursos fixos para manter toda essa estrutura. “Dependemos de doações 24h por dia. É um custo alto, porque a casa é toda equipada, com manutenções, ainda mais sendo uma estrutura grande”, comenta Scheila. Ela explica que tudo que há na casa é fruto de doações recebidas ao longo dos 11 anos de história. Eventos beneficentes e doadores individuais, como amigos e apoiadores, também ajudam a manter a instituição aberta.
Luiza, professora da rede municipal de Florianópolis, escolheu a adoção por não conseguir engravidar naturalmente, após sofrer com histerectomia devido a uma endometriose. Ela visitou o Semente Viva depois da sugestão de um palestrante que ofereceu um curso para noivos na igreja que ela e o marido frequentam. “Um casal de amigos da igreja nos convidou para visitar o lar. Fomos em um grupo de 10 pessoas, levamos alimentos, passamos uma tarde com as crianças, brincamos com elas”. Segundo ela, ali nasceu a vontade de serem pais “Observamos um menino de 10 anos, e meu esposo disse: este menino parece eu quando criança, e esse será o nosso filho”, relembra emocionada.
Durante a adoção, Luiza e seu marido passaram por muitas experiências à espera de seu filho. “Cada ida na Assistente Social e Psicóloga do Fórum de Florianópolis era como se estivesse fazendo o ultrassom para ver a evolução do bebê que crescia mais forte dentro de mim, e se estava correndo tudo bem para podermos dar mais um passo na decisão mais importante de nossas vidas, de sermos pais”, explica animada.
O casal não precisou passar por todas as etapas no sistema de adoção, porque o processo de destituição da criança escolhida ainda estava sendo finalizado com a família biológica. Maria conta que o menino ainda não estava inserido no sistema e, como se tratava de um adolescente, tornou-se mais conveniente não cadastrá-lo. “A única coisa que fizemos foi o curso de adoção que era obrigatório para realizar todos os trâmites”, finaliza.
Principais requisitos para adoção
Tomar a decisão de adotar é um passo muito importante porque implica em mudanças significativas tanto na vida de quem adota, quanto na da criança ou adolescente adotado. A adoção legal acontece por meio de um cadastro feito pelos candidatos a pais junto à Vara de Infância e Juventude onde residem. Nele os pretendentes passam por uma análise documental. Em seguida, é feita uma avaliação pessoal, onde uma equipe técnica avalia as expectativas dos pretendentes, como é sua realidade sócio-familiar, entre outros requisitos.
Após as fases documental e pessoal, o Poder Judiciário orienta a pessoa ou família a participar de um programa de preparação para a adoção. Nele será ofertado conhecimentos sobre a adoção, ajuda social, psicológica e informações para que os pretendentes tomem a decisão de forma segura. Após passar por todas essas etapas, as informações são encaminhadas para o Ministério Público, que zela pelos direitos das crianças e adolescentes. O parecer dado pelo MP será encaminhado ao juiz, que irá avaliar e decidir se defere ou não o pedido de habilitação.
A realização de um curso preparatório é uma exigência da Vara da Infância e Juventude, que poderá indicar um Grupo de Apoio mais próximo na sua região. Algumas Varas da Infância e Juventude realizam uma palestra introdutória e seu próprio curso.
Atualmente, existem mais de 200 grupos de apoio à adoção formalmente constituídos no Brasil, conforme o último levantamento da Associação Nacional de Grupo De Apoio à Adoção (ANGAAD). Um deles é o GEAAFA (Grupo de Apoio à Adoção) localizado em São José. Segundo Leandro Canavarros, vice-presidente, o grupo cumpre o papel de inclusão, discussão sobre o assunto, buscando uma visão técnica com informações de qualidade para romper os mitos sobre a adoção, os conceitos ultrapassados, os preconceitos e lendas relacionadas ao tema.“Buscamos acolhê-los também. Esse período em que os pretendentes aguardam a chegada da criança ou adolescente, na maioria das vezes, é demorado. Com o grupo podemos ajudar os pretendentes com possíveis medos e desistências”, explica Leandro.
O GEAAFA teve início em março de 2010. A partir da necessidade sentida em criar um grupo de apoio à adoção no município de São José, por uma das fundadoras, Marli Osaida. Com o apoio de mais algumas pessoas, o grupo foi criado formalmente e iniciou as reuniões com pretendentes à adoção e simpatizantes do tema. Gradualmente, o GEAAFA foi atraindo mais voluntários, formando a equipe técnica qualificada que existe até hoje, com profissionais da área jurídica, psicológica, serviço social, entre outras.
De acordo com Leandro Canavarros, além da realização de reuniões, o grupo promove também o Café com Adoção, onde famílias pretendentes e simpatizantes do tema têm a oportunidade de se encontrar, trocar experiências e degustar um café colonial. O evento é uma tradição no GEAAFA, promovido anualmente desde 2011. Um dos objetivos do grupo também é estudar o tema da adoção e interagir com o mundo acadêmico. O GEAAFA já participou diversas vezes de eventos promovidos por universidades, ministrando palestras sobre o assunto para alunos e professores de diversas áreas. Também já promoveu mesa redonda e debates com personalidades.
Depois de serem aprovados, os pretendentes são incluídos no Sistema Nacional de Adoção (SNA), onde ficam disponíveis até que se encontre o perfil da criança ou adolescente solicitado. No site do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) é possível realizar um pré-cadastro no SNA. Nele a pessoa pode escolher a idade, a cor da pele, o gênero, crianças saudáveis ou com alguma doença, com irmãos ou não, e até o Estado em que residem.
O momento da adoção, chamado de desacolhimento nos lares, é sempre uma festa, como lembra Scheila Yoshimura. Ela conta que preparam uma despedida, entregam o portfólio e também orientam a família a fazer uma festa para a chegada da criança no novo lar. “O processo não acaba nessa fase. O candidato que adotou recebe a guarda provisória, com uma validade até a conclusão do processo. Mas nessa fase, a criança já passa a morar com a família que também é acompanhada pela equipe da Vara da Infância e Juventude”, explica Scheila. Se tudo estiver correto, passa para a adoção definitiva, o juiz libera a sentença com o registro de nascimento contendo o sobrenome da nova família, e a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico.
Nomes fictícios de Luiza à pedido da entrevistada