Glamourização da prostituição digital: jovens vendem fotos íntimas na internet; especialistas alertam para problemas
Com a pandemia, pessoas começaram a vender fotos íntimas na internet como forma de renda, mas especialistas advertem para problemas psicológicos e consequências jurídicas
Por Vinícius Fagundes
A dificuldade de as pessoas manterem relações presenciais por conta da pandemia da Covid-19 fez com que um setor específico da sociedade expandisse suas vendas durante a imposição do distanciamento social: o pornográfico. Pessoas que não trabalhavam nesta área começaram a vender fotos íntimas em plataformas de streaming e nas redes sociais, como forma de aumentar a renda e também de se entreterem. O aumento exponencial na produção desse segmento fez com que acendessem alertas para problemas psicológicos como transtorno de personalidade histriônica, bipolaridade, bulimia, e também problemas jurídicos.
Sem o toque em pessoa, o único espaço biosseguro, que mantivesse a saúde sexual em dia, foi a internet. Segundo pesquisa de 2020 da Revista Veja com empresas produtoras de conteúdo pornográfico, a Brasileirinhas teve um aumento de 70% no começo da pandemia. Já o site Porn Hub, no mesmo período, teve aumento de 13,7% no dia após o Brasil oficializar o surto no país. O Camera Hot, site de streaming brasileiro, revelou que, entre 1º e 19 de março, teve 300 mil visitas a mais que o mesmo período do ano anterior. O cadastro de novos usuários era de cerca de mil por dia, tendo um crescimento de 30% em relação ao mês anterior.
Mas nem só os sites se beneficiaram do aumento dessa procura, quem também sentiu esse “up” foi a mineira Juliana Villegas. Ela começou a produzir por conta própria conteúdo para websites de streaming* quando tinha 20 anos, em 2015, logo após o término de um relacionamento. A busca por este tipo de produção foi pela curiosidade e porque suas amigas já produziam também. Ex-atriz e figurante de novela no Rio de Janeiro, Juliana demorou dois anos para consolidar a nova profissão. Ela relata que a figuração pagava muito mal, por isso começou a dar mais atenção à plataforma.
Amigos e familiares sempre apoiaram Juliana, seus pais disseram que se ela está em casa e segura, não teria porque reprovar a escolha de vida da filha. Atualmente, Juliana sobrevive através da rede de clientes que conseguiu durante os seis anos na plataforma de streaming. “Estou na minha reta final, me desliguei de todos os sites de camming [modalidade de trabalho sexual online que envolve exibicionismo e performance em tempo real] , de venda de conteúdo. Atualmente estou apenas com o meu público das redes sociais”.
A escolha dessa mudança veio com a sua tentativa de ser consultora e mentora de novas camgirls, e também consultoria sobre fetiches e todos os assuntos que ela conheceu, experienciou e viveu dentro das plataformas.
Foto: Arquivo Pessoal/Juliana
Juliana gosta de cantar, cozinhar e atuar em horas vagas. Hoje ela depende exclusivamente da renda que obtém com conteúdo adulto, advindos da divulgação no seu Twitter, que somam mais de 150 mil seguidores. O seu preço é R$300,00 por hora trabalhada.
Nem só as mulheres participam deste movimento, os homens também estão ativamente nas redes vendendo fotos e produzindo conteúdo, como Flávio*, de 19 anos. Desde muito jovem, ele viveu problemas pessoais, por apresentar baixa autoestima por causa de seu corpo muito magro. “Nunca aceitei meu corpo, já cheguei a praticar bulimia e até realizei algumas cirurgias para emagrecer. Mesmo depois de perder uma grande quantidade de peso, eu ainda não me sentia satisfeito”.
Para a psicologia, a autoestima é definida como um valor que o sujeito tem sobre si mesmo, e este valor é influenciado externa e internamente. Os fatores externos são resultados de como o mundo vê esse sujeito, avalia ou percebe. Já a interna, é como o sujeito vê a si mesmo, levando em consideração tudo que ele aprendeu sobre si até o momento presente. A rede social nesse caso, tanto pode beneficiar quanto prejudicar essa autoestima. Ela permite a expressão, comunicação, manifestação de si e pode alcançar todos os continentes. O fator negativo é que grande parte desse volume de informações beira a utopia de vidas perfeitas, sem dificuldades, onde o usuário se espelha e tenta replicar aquele deslumbre inacessível, ocorrendo o adoecimento”, segundo afirmações de Maikon Mendonça, 29 anos, Terapeuta Cognitivo Comportamental (TCC).
Essa afirmação do psicólogo é confirmada por Flávio, pois ele diz que a quantidade de seguidores e comentários nas redes sociais o excitava. O fato de as pessoas pagarem pelo conteúdo estimulou para que continuasse, isso mexia diretamente na sua autoestima. “Acho lindo você se expor de uma forma que seja o momento de afeto consigo mesmo, é lindo. Não é pornô. Não é apenas dinheiro. Mas você consegue transmitir o tesão real através de uma tela.”
Os conteúdos produzidos por Flávio são apenas individuais, ele diz que não sente tesão em gravar com alguém ou ser um ator pornô. Seu perfil cresceu em oito mil seguidores, em três meses [maio/agosto de 2021]. Com o dinheiro, comprou itens caros, viajou e reformou a casa dos pais. Sua família não sabe que ele produz esse tipo de conteúdo e, segundo ele, nunca saberão.
Esses relatos de que a família ou amigos não sabem sobre essa forma de renda das pessoas que se exibem através de câmeras são comuns. Leticia Andrade, 23 anos, moradora de Florianópolis, também admite que a família não saberá tão cedo sobre isso. Ela diz que nunca teve um trabalho tradicional e depende exclusivamente da renda advinda de suas lives eróticas.
Tudo começou conversando com estrangeiros por live, quando ainda morava em Londres, mas o valor recebido por essa modalidade era baixo. Em 2020, com a pandemia, Letícia se mudou para Florianópolis para ficar com sua família. Recém chegada, começou a trabalhar em outro aplicativo erótico de lives. O dinheiro recebido com esse trabalho é bem maior e é investido em criptomoedas. Ela pretende continuar com a prática por mais um ou dois anos e depois tentar trabalhar com moda, que é o que gosta.
Com os mesmos motivos, e morando na mesma cidade, Pedro*, de 26 anos, começou a vender pack de fotos íntimas na internet durante a pandemia. Ele relata que sua família também não sabe dessa escolha, mas que os amigos lidam bem com a ideia, até brincam. Sobre o futuro, Pedro diz que não pretende seguir nessa área, mas, sim, continuar na sua, já que ele é Mestre em Engenharia Ambiental e Sanitária. Sua renda atual vem das vendas de fotos no Only Fans (serviço de conteúdo por assinatura, voltado para exibicionismo sexual) e no Twitter.
Internet não é terra sem lei
“Se tiver aquele grupo de Whatsapp, com amigos do futebol e um deles compartilhar a foto de uma mulher adulta (não consentida, sem autorização dela) ou de uma criança, todos do grupo incorrem no crime, principalmente o administrador, que será mais penalizado”, afirma Andreza Loverly, 26 anos, advogada em Ourinhos/SP. Se você comprar a imagem nua de alguém e compartilhar sem o consentimento ou autorização dela, está cometendo um crime também.
A regra também se aplica para menores de idade. Caso haja divulgação erótica de menores, a pessoa poderá ser responsabilizada pelo artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de quatro a oito anos de reclusão e multa — e não precisa ser imagem da criança nua, se a imagem estiver sexualizada já é considerada crime. A penalização é válida tanto para quem compartilha, quanto para quem recebe.
O alerta foi acendido, tendo em vista que muitos adolescentes, entre 15 e 17 anos, estão vendendo suas fotos na internet. Neste caso, eles são responsabilizados por ato infracional e também os pais ou representantes legais serão intimados a depor, para saber se eles tinham conhecimento desses atos e se o autorizava. Se o genitor for conivente, ele responde por ação dolosa; se ele não souber, ele também pode responder negligência, por não estar cuidando dos filhos na utilização de dispositivos eletrônicos.
Utopia das redes sociais
Diferente da prostituição em que as pessoas precisavam estar presencialmente em uma esquina — ponto — ou em uma casa, atualmente este meio depende da internet para funcionar. Hoje, há pessoas que não fazem programa, mas vendem suas fotos íntimas na internet ou fazem lives de conteúdo adulto.
E é nas redes sociais que tudo começa. Inspirações, estilos, tipos de corpos são detalhes que vão aguçando novos candidatos a trabalharem com este tipo de conteúdo. O problema começa quando começam as duras comparações, como a busca utópica por likes e por seguidores, como conta o psicólogo Maikon, ao pontuar que “o primeiro ponto de mal-estar em relação à rede social é o fato de que você está se comparando com uma vida que não tem as mesmas variáveis que a sua, por esse fato, já se torna injusta a comparação. Os prejuízos causados por esse tipo de ideia são muito severos. A única comparação saudável possível e viável é consigo mesmo em relação a ontem”.
As doenças acarretadas pelo excesso de exposição nas redes sociais vão desde transtorno de ansiedade, bipolaridade até Transtorno de Personalidade Histriônica (TPH) — que faz a pessoa buscar ser o centro das atenções, falar de maneira dramática ou se preocupar excessivamente com a aparência física. Psicologicamente, essas pessoas consideram os relacionamentos mais próximos do que são na realidade, são facilmente influenciadas pelos outros, têm comportamento provocante ou sexualmente inapropriado ou mudanças rápidas de emoção.
O terapeuta recomenda que, para se ter uma vida saudável nas redes sociais, é preciso utilizá-las como forma de adquirir novas estratégias e melhorar a própria performance — e não se comparando com a vida “perfeita” do outro. Ele recomenda realizar exercícios físicos, já que isso otimiza o tempo, porque um dos maiores fatores do uso exacerbado da rede social é o tempo vago. “Buscar terapia é importante, pois ninguém precisa passar por nada sozinho!’’, finaliza.
Para entender os termos:
- Streaming: A tecnologia streaming é uma forma de transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo através de redes. Por meio do serviço, é possível assistir a filmes ou escutar música sem a necessidade de fazer download, o que torna mais rápido o acesso aos conteúdos online, segundo o site TechTudo.
- Camgirl: Termo da língua inglesa, derivado da palavra Webcam, que significa “garota da câmera”, como são chamadas as profissionais do Camming, uma modalidade de trabalho sexual online que envolve exibicionismo e performance em tempo real.
*Apuração desta matéria foi feita totalmente de forma remota e alguns nomes foram trocados para manter o respeito e sigilo dos entrevistados