O direito à alimentação gratuita era concedido há mais de 30 anos pelo Hospital. A partir de junho, os trabalhadores tiveram que optar pela alimentação no HU ou pelo auxílio-alimentação.
Por Ana Sophia Sovernigo
O fluxo de trabalhadores de aplicativos de tele-entrega em motocicletas entrando e saindo do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC), em Florianópolis, nunca foi tão grande. A cena é cada vez mais comum, já que muitos trabalhadores do Hospital têm optado por comprar comida dessa forma depois que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), com o aval da reitoria, retirou a alimentação gratuita fornecida pelo hospital há mais de 30 anos.
Desde o dia 1º de junho, os servidores técnicos da UFSC e terceirizados da Ebserh, para ter direito às refeições oferecidas no hospital, precisam abrir mão de seu auxílio-alimentação no valor de R$ 458,00. Caso optem por continuar recebendo o benefício, os trabalhadores precisam comprar, mediante pagamento adiantado, tickets nos valores de R$ 13,00 para o almoço e de R$ 9,50 para o jantar. Em resposta ao Zero, a gestão da Ebserh afirmou que o direito ao auxílio-alimentação não foi alterado, já que os trabalhadores podem optar por um ou outro benefício.
Agora, além de precisar pedir lanches por aplicativos nos dias mais corridos, alguns trabalhadores têm preparado suas refeições em casa e levado suas marmitas e lanches para o trabalho. Isso vem acontecendo porque os intervalos durante o trabalho são curtos, deixando pouco tempo para os funcionários tirarem suas roupas de trabalho para evitar contaminação e irem até um restaurante próximo, isso quando existem estabelecimentos abertos — a depender do dia da semana e do horário.
Se o trabalhador mantiver seu auxílio-alimentação e optar por realizar suas refeições em algum restaurante nas proximidades, a média do preço do quilo varia de R$ 35,00 a R$ 50,00 nos restaurantes em até 500 metros de distância do HU. As refeições que podem ser adquiridas no Hospital possuem um custo mais baixo, porém ainda assim consomem boa parte do valor do auxílio.
Luiza Trevisan viu sua rotina ser alterada com a mudança súbita na distribuição da alimentação. Antes, a técnica em enfermagem almoçava no restaurante do hospital durante seus plantões vespertinos no Centro de Material e Esterilização (CME). Para ela, a mudança não foi tão drástica porque só realiza uma refeição do hospital, mas o impacto de sempre ter que separar um tempo para cozinhar sua marmita para levar ao trabalho foi algo inesperado. “De repente tivemos que nos programar previamente para trazer almoço de casa, principalmente nos fins de semana, já que a maioria dos restaurantes nos arredores do HU estão fechados”. Luiza optou por continuar recebendo o auxílio-alimentação, abdicando das refeições que recebia gratuitamente em seus 3 anos como técnica no hospital.
Além dos servidores concursados e trabalhadores terceirizados, as refeições também eram oferecidas aos estudantes que realizavam atividades de pesquisa, extensão, estágio e residência médica. Todos eles ficam agora desamparados no momento mais crítico da pandemia no Brasil.
A justificativa da empresa é a sua adequação à norma para fornecimento de refeições, seguindo determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério da Educação (MEC). Baseada na Lei nº 9.527, de 1997, que estabelece “§ 5º — O auxílio-alimentação é inacumulável com outros de espécie semelhante, tais como auxílio para a cesta básica ou vantagem pessoal originária de qualquer forma de auxílio ou benefício alimentação”, a Ebserh, junto à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Prodegesp), anunciou que a partir do mês de junho, os trabalhadores que trabalham em regimes plantonistas de 12/36 h, com 12 horas de trabalho entremeados de 36 horas de descanso, deveriam optar por receber as refeições durante a jornada ou continuar recebendo o auxílio-alimentação.
Essa mudança não é algo isolado no Hospital Universitário da UFSC. Em 2018, a mesma alteração foi feita no Hospital Universitário de Sergipe/UFS e, em 2019, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM). Essa determinação vale para todos os Hospitais administrados pela empresa, conforme o Ofício-Circular — SEI 16/2021/SUPRIN/HU-UFSC-Ebserh, que regulamentou o fornecimento de refeições aos empregados públicos e servidores nos Hospitais Universitários Federais da Rede Ebserh.
Sindicato realiza protestos
O Sindicato de Trabalhadores em Instituições Públicas de Ensino Superior de Santa Catarina (Sintufsc) tem realizado uma série de manifestações contra a omissão dos gestores do Hospital, distribuindo marmitas para os trabalhadores. Ocorreram atos nos dias 1º, 26 e 30 de junho, com entrega de 600 refeições no total.
No mesmo sentido, no dia 2 de julho o Sintufsc convocou a Ebserh e a Reitoria da UFSC para uma Audiência Pública com a categoria. Entretanto, os representantes não atenderam à convocação. O Gabinete da Reitoria enviou dois ofícios à direção do sindicato informando que não participaria da audiência, pois “as relações de trabalho entre os profissionais vinculados à Ebserh e à UFSC se dão de forma integrada, com acolhimento adequado, valorizando um ambiente equilibrado e harmônico”.
Durante a audiência, os trabalhadores do HU demonstraram sua indignação frente às condições de trabalho enfrentadas neste momento de pandemia, com o corte das refeições e a diminuição ou corte total dos adicionais de insalubridade. Os trabalhadores também pontuaram que a ausência da Administração Central é uma prática cotidiana, que não se deu apenas no momento da audiência. “Retirar nossa alimentação no meio da pandemia é um descaso. A maioria dos trabalhadores tem mais de 40 anos, vamos viver de lanchinho? Que segurança nutricional é essa? Que preocupação eles têm com a saúde do servidor?”, questionou Marilene dos Santos, servidora do HU e coordenadora do Sintufsc, durante a audiência.
“Enquanto outros profissionais tiveram a oportunidade de trabalhar remotamente, nossa profissão não permite isso. Então, o mínimo que esperamos é dignidade nas condições de trabalho. A postura da Reitoria de não estar presente hoje não me surpreende. Eles não nos ouvem mais. Temos pacientes ficando dias internados na emergência porque não tem leito disponível e a UFSC está fugindo da gente”, relatou a servidora Fabíola dos Santos Ardigo, enfermeira lotada na Emergência Geral Adulto do Hospital Universitário.
Enquanto os servidores da UFSC e os trabalhadores terceirizados da Ebserh sofrem com a situação do corte das refeições, no dia 8 de junho, a gestão do HU instalou um Mural no saguão do primeiro andar do hospital, contendo cartas de gratidão aos profissionais de saúde.
Nas redes sociais, o HU se manifestou dizendo que o Mural faz parte do “Protejo Gratidão”, desenvolvido pela organização sem fins lucrativos Floripa+ e é “uma iniciativa cujo objetivo é fazer uma demonstração de reconhecimento e gratidão às pessoas que atuam nas áreas de saúde, limpeza e segurança e estão na linha de frente do combate à Covid-19”.
Alguns trabalhadores do Hospital manifestaram indignação nos comentários da publicação no Instagram. Foi o caso de Vanessa de Oliveira, servidora lotada no Centro de Material e Esterilização (CME), que comentou na publicação: “Agradeço pelas cartas de reconhecimento da população. Diferentemente da direção e da Reitoria, que só temos recebido desprezo, desrespeito e desvalorização. A atual direção preza por uma gestão desmotivadora. Cortar tantos benefícios e direitos dos servidores (refeições gratuitas, redução de insalubridade, ponto facultativo, plantão de 12h), em plena pandemia mais do que desmotivador, chega a ser imoral, abusivo e desumano”.
O Zero entrou em contato com a Secretaria de Planejamento e Orçamento (Seplan), com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Prodegesp) e com a Assessoria de Comunicação da Ebserh mas não obteve os dados sobre o orçamento da UFSC nem da empresa em relação à mudança na concessão do benefício até o fechamento desta reportagem.