Música ajuda a conscientizar sobre o câncer e ressocializar pacientes
Campanha Julho Verde conta com ações culturais que informam e contribuem para a recuperação de laringectomizados
Warley Alvarenga (warley.alvarenga@outlook.com.br)
Com foco na promoção de inclusão social e acessibilidade por meio da cultura, o Grupo de Apoio ao Laringectomizado (GAL) promove a campanha Julho Verde, para conscientização nacional sobre a prevenção do câncer de cabeça e pescoço. Uma das principais ações que marcaram a campanha foi um encontro com ensaio musical e confraternização realizado em 17 de julho, no Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis.
O público-alvo dos encontros do GAL, realizados pela Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil), em parceria com a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), é de pessoas que fizeram cirurgia de remoção da laringe e que perderam ou tiveram a voz natural afetada. A ação busca motivar e ajudar na ressocialização dos pacientes por meio de práticas artísticas, especialmente da música, além de outras atividades que contam com o apoio de voluntários da sociedade civil. Segundo Ana Paula Guedes, advogada da ACBG Brasil, além da inclusão, o encontro auxilia no processo de reabilitação após o tratamento. “Esse paciente vence o câncer, mas fica excluído da sociedade, pois ele perde a habilidade maior de comunicação, que é a fala”, afirma Ana Paula. “Além disso tudo, ao se dedicar à cultura, cada um acaba desenvolvendo sua musicalidade e pode se expressar melhor”, completa.
Os ensaios são conduzidos atualmente por Luiz Carlos Mesquita, e servem como preparação para apresentações públicas do GAL. Para o professor, que teve este encontro como o último de sua carreira profissional, os encontros como o do GAL trazem aprendizados e conforto não apenas aos pacientes, mas também para toda a equipe envolvida na organização. “É muito aprendizado, alegria, um enriquecimento pessoal muito grande na percepção do outro, no compartilhar com o outro, para que a gente consiga ser mais inclusivo, mais acessível”, diz Luiz Carlos.
Com uso de instrumentos musicais, o grupo canta músicas populares brasileiras, de diferentes estilos e ritmos, em forma de coral, com uso de laringes eletrônicas. Uma imersão musical que auxilia na mudança de vida dos pacientes, como conta Márcio Delfino. “Quando o conheci [Luiz Carlos], ele estava com o grupo reunido tocando gaita, eu olhei pela porta, vi todos cantando mesmo sem voz, aquilo mudou a minha vida”, diz Márcio. “Aquele dia me tornei outra pessoa, comecei a me compreender, a me conhecer e o principal: me aceitar”, completa emocionado Márcio, laringectomizado e membro do grupo desde 2018.
Ações contínuas
Mesmo com a aposentadoria do professor Luiz Carlos, o Grupo de Apoio ao Laringectomizado (GAL) seguirá com seus ensaios. Quinzenalmente, os encontros seguirão sob a coordenação de Emanuel Pereira, músico e colaborador da Fundação Catarinense de Cultura (FCC). De acordo com Emanuel, o objetivo é ensaiar para apresentações públicas durante e após a campanha Julho Verde.
A utilização de elementos musicais como forma de terapia promove o bem-estar físico e psicológico dos pacientes, a chamada musicoterapia, conforme destacada pelo novo coordenador musical do GAL. “A gente propõe por meio da arte uma forma de apoio aos pacientes recuperados de câncer. Muitos passaram por traumas e isso tem ajudado na recuperação”, diz Emanuel. Apesar do grupo consolidado, ele afirma que o GAL segue aberto a novos membros. Para fazer parte basta entrar em contato com a Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil).
Além do grupo musical e da campanha Julho Verde, a ACBG Brasil realiza diferentes ações de conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço. Ana Paula Guedes, advogada da Associação, diz que constantemente os pacientes participam de entrevistas, debates e, principalmente, de audiências públicas. O objetivo é levar os pacientes aos locais onde devem ser construídas as políticas públicas para portadores de necessidades especiais, indivíduos em situação de vulnerabilidade e pacientes oncológicos — aqueles com maior dependência de cuidados de terceiros devido ao tratamento do câncer. “O grupo, sempre que convidado para esses espaços, se reúne e dá seus depoimentos, porque nada melhor do que a gente ouvir de quem enfrentou e de quem precisa dessa integração”, explica Ana Paula.
Em 2023, foi sancionada a Lei 14.758/23, que cria a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer. Os objetivos da PNPCC são a diminuição da incidência de cânceres, a garantia do acesso ao cuidado integral, a contribuição para a melhora da qualidade de vida dos diagnosticados, com vista a reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas pelo câncer. Já o Programa de Navegação promove a busca ativa e o acompanhamento individual de cada diagnosticado. A PNPCC está implementada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Câncer de laringe
Entre todos os tipos de cânceres capazes de afetar a cabeça e o pescoço, o de laringe é o mais comum. A laringe é um órgão localizado no pescoço, essencial para o sistema respiratório e importante para a fala. De acordo com dados mais recentes do Ministério da Saúde, de 2022, o câncer de laringe representa cerca de 25% dos tumores de cabeça e pescoço. São mais frequentes em homens acima dos 40 anos, e com o tabagismo e o alcoolismo como principais causadores de tumores. O câncer de laringe pode ser fatal caso não seja adequadamente tratado.
A depender da extensão e agravamento do tumor, a remoção total da laringe pode ser necessária, o que ocasiona a perda da voz natural. Em casos de remoção, o uso da laringe eletrônica é uma das alternativas para suporte à comunicação dos pacientes. Trata-se de um equipamento portátil, movido a bateria recarregável, que funciona de modo vibracional. O paciente pressiona o equipamento na região da garganta e a vibração das cordas vocais produz o som que emula a voz natural. Desde 2021, a laringe eletrônica é distribuída gratuitamente pelo SUS para laringectomizados.
Márcio Delfino, laringectomizado que participa do GAL, somente conheceu a laringe eletrônica em 2018, quando passou a integrar o grupo. Ele afirma que a falta de conhecimento sobre o câncer de laringe afeta diretamente a melhora da qualidade de vida dos pacientes. “Isso nos tira a direção, nos proporciona uma dor intensa, uma depressão. Buscar conhecimento e contar com outras pessoas faz a diferença em nossa vida”, declara Márcio.