Mais de 2.500 pinguins são encontrados mortos nas praias de Florianópolis em 2024
Além dos que morreram, outros 152 foram resgatados com vida; neste ano, a temporada de migração começou cerca de um mês antes do habitual
Heloísa Faria helois4faria@gmail.com e Lara Schweitzer larastupp@gmail.com
A temporada de migração de 2024 dos pinguins-de-magalhães trouxe 2.673 animais às praias de Florianópolis. A maioria deles já estava morta no momento do resgate. Apenas 152 pinguins, o equivalente a 5,7% de todos os registrados, chegaram às praias da Ilha com vida. Desde o início da temporada, em 8 de junho, uma média de 20 pinguins mortos apareceu diariamente na costa da Capital. Esses dados, contabilizados até o dia 16 de outubro, são da Associação R3 Animal, ONG responsável pelo monitoramento das praias da Ilha de Santa Catarina e pela reabilitação de animais marinhos resgatados em todo o estado.
Até outubro, a R3 Animal reintegrou 44 pinguins ao oceano, em três grupos de soltura. A mais recente ocorreu em 25 de setembro, na praia de Moçambique. Nessa ocasião, 14 pinguins voltaram ao mar. Todos os animais passaram por um rigoroso processo de reabilitação na sede da ONG, localizada no Parque Estadual do Rio Vermelho, uma unidade de conservação gerida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). Os pinguins são acompanhados por médicos-veterinários que garantem que eles estejam em condições adequadas para o retorno ao mar, recebendo tratamento com medicamentos, ganho de peso, aquecimento e fisioterapia na piscina.
O trabalho da R3 é focado na preservação da autonomia dos animais, evitando qualquer forma de domesticação. As instalações são projetadas para que os pinguins mantenham seu comportamento natural e consigam procurar alimento por conta própria. Desde 2015, os pinguins resgatados pela R3 Animal são identificados por microchips, uma medida adotada após o abandono das anilhas metálicas, que costumavam machucar as asas das aves.
Todos os anos, os pinguins-de-magalhães migram da Patagônia Argentina para o litoral brasileiro, percorrendo cerca de 6.000 km em busca de alimento em águas mais quentes. Enquanto grande parte fica em alto mar, algumas aves, principalmente as mais jovens, que enfrentam a jornada pela primeira vez, se perdem do bando e, exaustas e debilitadas, acabam encalhando nas praias. Há também as que sofrem com interferência humana, por conta dos apetrechos de pesca e da poluição, que aumentam a frequência dos encalhes. Embora a maioria dos resgates seja fruto do monitoramento diário da ONG, os banhistas também podem relatar casos de animais encontrados por meio do número 0800 642 3341.
A presidente da R3 Animal, a médica-veterinária Cristiane Kolesnikovas (55), destaca que, normalmente, os pinguins começam a chegar às praias em maior volume em julho, mas neste ano a temporada foi antecipada. Segundo ela, a ONG começou a receber diversos relatos de encalhes um mês antes do previsto. Cristiane sugere que as recentes alterações climáticas podem estar por trás desse fenômeno, embora ainda não existam estudos científicos que comprovem essa relação.
Ela também menciona que, em 2022, os médicos-veterinários da R3 Animal observaram a presença de um parasita respiratório em alguns pinguins resgatados, algo que não havia sido detectado em anos anteriores. “Acreditamos que isso possa estar relacionado à mudança nos hábitos alimentares dos pinguins, provavelmente devido à elevação da temperatura da água”, explica Cristiane.
Segundo o artigo publicado na Revista FT, de Medicina Veterinária, os pesquisadores Antônio Carlos Cartaxo de Freitas, Daiana Dalma de Oliveira, Debora Schisler de Almeida e Isabela Gomes Guimarães apontam, em uma revisão de outras publicações, que os pinguins-de-magalhães compõem a espécie “mais abundante nas regiões temperadas, com uma população mundial estimada em 1.300.000 pares reprodutores. Apesar disso, as duas maiores colônias da Argentina vêm passando por acentuada diminuição nas últimas décadas”. A análise ainda aponta que eles “são especialmente vulneráveis aos efeitos dos eventos climáticos extremos, como tempestades intensas e mudanças repentinas de temperatura” — eventos que têm se tornado mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas globais. Por fim, argumentam que “o aumento da temperatura dos oceanos também está afetando os padrões de distribuição de presas, o que pode dificultar a busca por alimentos para os pinguins”.
R3 Animal
A R3 Animal foi fundada em 2000, em Florianópolis, com o objetivo de apoiar o trabalho do Centro de Triagem de Animais Silvestres de Santa Catarina (Cetas/SC), da Polícia Militar Ambiental, que, na época, não contava com biólogos e médicos-veterinários na equipe. O subtenente da força, Marcelo Duarte, hoje aposentado, liderou a criação da ONG, reunindo profissionais para trabalhar na reabilitação de animais silvestres.
Até 2019, a R3 Animal atuava em parceria com o Cetas, atendendo tanto espécies terrestres quanto marinhas. Com o fim dessa colaboração, a ONG passou a se dedicar somente aos animais marinhos. A partir do mesmo ano, com a aquisição do atual sistema de registros, o Sistema de Informação de Monitoramento da Biota Aquática (Simba), a R3 Animal resgatou cerca de 14.200 animais em Florianópolis.
No início, a Associação funcionava exclusivamente com trabalho voluntário. Em 2015, no entanto, a organização firmou um contrato com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), que coordena o Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) em Santa Catarina e no Paraná. O projeto PMP-BS é uma exigência para obtenção do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), para as atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural na Bacia de Santos. Com incentivo e uma equipe contratada, a ONG expandiu sua atuação, passando a monitorar as praias de Florianópolis e mantendo seu foco na reabilitação de animais marinhos.
Realizado de Laguna, em Santa Catarina, até Saquarema, no Rio de Janeiro, o projeto é dividido em 15 trechos. Enquanto outras instituições como a Universidade da Região de Joinville (Univille), o Instituto Australis, de Imbituba (SC) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), monitoram outras áreas do estado, a R3 Animal é responsável pelo trecho 3, a Ilha de Santa Catarina. No entanto, a ONG é a única instituição do estado com um centro de reabilitação, para onde os animais resgatados em todo o estado são encaminhados.
Todos os dias, por volta das 7h, a equipe da R3 Animal inicia o monitoramento nas praias da llha em busca de animais debilitados, que são levados para tratamento. Além disso, recolhem animais mortos, que são registrados para controle de óbitos. Os corpos frescos passam por necropsia e exames para identificar a causa da morte, enquanto os que estão em estado avançado de decomposição são catalogados para controle de encalhes.
A presidente da ONG destaca que as ocorrências mais frequentes envolvem pinguins e gaivotas, especialmente no verão, quando esses animais estão mais propensos a intoxicação devido à ingestão de lixo. Um grande número de tartarugas também é levado para a Associação, que recebe apenas os espécimes mortos para necrópsia; os animais vivos são encaminhados para o Projeto Tamar, órgão especializado na reabilitação dessas espécies.
Atualmente, a equipe da R3 Animal é formada por 42 funcionários, oito estagiários e seis voluntários. Desde o início de setembro, a médica-veterinária ítalo-brasileira Jamile Tosi (26) atua como voluntária na Associação. Ela encontrou o projeto após pesquisas na internet e, motivada pela vontade de trabalhar com animais marinhos, se mudou da Itália para a capital catarinense após conseguir a vaga. Ao acompanhar a última soltura do grupo de pinguins, Jamile não conteve a emoção. “Já sabia que seria muito emocionante, mas ver com meus olhos… Nem sei como explicar. Acho que essa foi uma das coisas mais lindas que eu vi, e que vou ver na minha vida”, conta ela.
A médica-veterinária Dariana Nesello (27) começou a trabalhar na R3 Animal no início deste ano, mas já participou do projeto como voluntária e estagiária. “Eles chegam muito debilitados pra gente. Por isso, a sensação de vê-los voltando para o mar é muito boa, volta o brilho nos olhos”, afirma ela, ao descrever a soltura dos pinguins. Para Dariana, o trabalho desenvolvido com os animais marinhos nem sempre é compreendido ou valorizado. “Tem pessoas que não entendem porque a gente faz esse trabalho, mas ele é muito necessário. Os animais que nós atendemos são como os outros, e tem gente que só dá importância aos animais de estimação ou de grande porte.”