Paixão e futebol: torcedores do Figueirense evocam sentimentos pelo clube centenário

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9 min readMar 16, 2021

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Aniversário do clube de Santa Catarina será celebrado em junho deste ano e torcedores relembram momentos marcantes dessa trajetória

Reportagem por: Marcos Jordão, Thaisy Regina e Vitória Hasckel

12 de junho de 2021 será uma data especial para o time que mais venceu em Santa Catarina, o Figueirense Futebol Clube. Com 18 títulos estaduais, o Furacão do Estreito, como é carinhosamente chamado, completará 100 anos de história. O cenário, no entanto, é um dos piores momentos de sua trajetória. Após 22 anos, o time volta a disputar a terceira divisão, resultado de anos de má-gestão, com uma dívida próxima dos R$ 165 milhões e com um pedido de recuperação extrajudicial na justiça, que não foi acatado. Dentro de campo, campeonatos com atuações fracas em que conviveu com a luta contra o rebaixamento.

O momento que nenhum torcedor gostaria de vivenciar, infelizmente, chegou. Embora o cenário seja ruim, a equipe do Estreito, localizada em Florianópolis, conta com uma torcida apaixonada, que segue apoiando o time. Logo após decretar o rebaixamento, iniciou-se um movimento para chegar em junho, mês de aniversário do clube, com um quadro de 10 mil sócios. Em busca de explicar o sentimento, alguns torcedores abriram o jogo sobre o que movimenta essa paixão, onde destacaram os jogos marcantes e até mesmo uma torcida criada para incentivar e viver o Figueirense.

Paixão em atos

Quem já assistiu a um jogo do Figueirense pela televisão se deparou com uma grande faixa rosa da Torcida Organizada Elas Alvinegra, próximo da linha do meio-campo. Uma das responsáveis pela fundação do grupo é Rosângela da Silva, uma Alvinegra de berço.

Rosângela da Silva (63) é fundadora da Torcida Organizada Elas Alvinegra (Foto: Arquivo Pessoal | Rosângela da Silva)
Durante a pandemia, Rosângela da Silva estende a faixa da torcida antes das partidas no Estádio Orlando Scarpelli. (Foto: Arquivo Pessoal | Rosângela da Silva)

Aos 63 anos, Rô, como é conhecida, esteve presente em diversos capítulos da história do time. A primeira lembrança que tem com o clube foi no jogo entre Figueirense e Vasco da Gama, em 1975, partida que terminou com vitória do Gigante da Colina, mas que ficou marcada como a de maior público da história de um jogo em sua casa — o Estádio Orlando Scarpelli –, no bairro Estreito, em Florianópolis. Naquele dia, cerca de 26.660 pessoas estavam presenciando a partida contra o campeão brasileiro do ano anterior. Hoje, as arquibancadas têm capacidade máxima de 19,5 mil.

“Naquele dia, eu fiquei tão apavorada com a lotação e o fator de entrar sendo empurrado pela multidão. Na época, eu tinha 17 anos, fiquei amedrontada e parei de ir ao estádio. Retornei ao Scarpelli apenas em 2006”, relembra a torcedora.

Rô é uma das ilustres figuras das arquibancadas do Scarpelli. Além de ser presidente da Elas, sua casa é um espaço de simbolismo do seu amor pelo Figueirense, desde a calçada até as almofadas. Sua coleção de artigos começou exatamente no ano em que voltou a frequentar os jogos do Furacão do Estreito, ainda em 2006.

Dois anos depois de iniciar sua coleção, Rô criou a Torcida Organizada Elas Alvinegra, composta por mulheres torcedoras. Presente nos melhores e piores momentos do clube, a atual presidente afirma que o intuito é “incentivar a mulherada, senhoras e crianças a se associarem e irem para o campo”.

Saudade da casa

Mesmo com a proibição do público nos estádios devido à pandemia do novo coronavírus, que já matou cerca de 280 mil pessoas no Brasil, Rô buscou uma forma de se manter próxima e mostrar o seu amor pelo Figueirense. A torcedora segue indo ao Orlando Scarpelli para colocar as faixas da Torcida Elas para os jogos do Alvinegro e matar um pouco a saudade do estádio de futebol.

Locio Manoel de Sousa, aos 90 anos, divide do misto de tristeza por não poder ir mais à casa do time do coração durante a pandemia da Covid-19. Agora, com o mesmo olhar apaixonado de quando frequentava o estádio, segue assistindo aos jogos de casa.

Locio Manoel de Sousa (90) é torcedor do Figueirense desde a década de 80 (Foto: Arquivo Pessoas | Locio Manoel de Souza)

Assim como grande parte da torcida, compartilha entre suas melhores recordações dos momentos do time, a final da Copa do Brasil contra o Fluminense, em 2007. Na data, o time catarinense perdeu a partida por 1 a 0, mas ainda é celebrado como o melhor resultado do clube na competição, até o momento.

Uma revolução nos anos 2000

Não só a campanha de vice-campeão da Copa do Brasil, em 2007, fez com que os torcedores ficassem marcados pela era dos anos 2000. Fábio Flores, torcedor de carteirinha, relembra o que ele chama de “grande virada do clube”, a partir do ano de 1999. Foi neste período que “Paulo Prisco Paraíso fez uma revolução em matéria de administração de futebol,” conta. Entre os destaques está a contratação do jogador Fernandes, ídolo e maior artilheiro do clube com 108 gols marcados. Também é um dos jogadores com mais partidas realizadas com a camisa do time, com 403 partidas em 11 anos.

Fernandes (centro) permaneceu no clube entre os anos de 1999 a 2012. Atacante Edmundo (a esquerda) chegou ao Figueirense em 2005, disputou 31 jogos e marcou 15 gols. (Foto: Reprodução Twitter Figueirense FC)
Arte: Diogo Medeiros

Para Fábio, nesta fase tudo parecia conspirar a favor. “O ambiente extra campo, a administração inovadora do clube, a sintonia da torcida com o time era muito maior que a dos últimos anos”, relata. Neste período, o time conquistou o segundo Tricampeonato Catarinense, nos anos de 2002, 2003 e 2004, um resultado que não acontecia desde a década de 1930.

Outro destaque é o 2ª lugar no Campeonato Brasileiro na série B, em 2001, e a consequente classificação para a elite do futebol nacional, após o gol histórico de Abimael em cima do Caxias (RS). A narração emocionante do jornalista Paulo Branchi — “A de amor, A de alegria, A de acesso, A de Alvinegro, A de Abimael e o A de série A” — segue ecoando entre as lembranças fervorosas dos torcedores.

De cabeça, Abimael (camisa 18) marcou o seu nome na história e o gol do acesso em 2001 (Foto: Arquivo Memorial Figueirense Futebol Clube)

Relembra, ainda, “como se fosse hoje”, outro grande momento desta virada de século, a contratação em 2005 do atacante Edmundo — o “Animal”. “Eu e a maioria dos torcedores ficamos com um pouco de receio, pois o Edmundo estava jogando no Nova Iguaçu, vindo de várias polêmicas extra-campo. Mas logo na estreia, ele já deu mostras do que iria fazer no Figueirense. Eu estava no jogo contra o Paysandu no Scarpelli, apesar de ter perdido um pênalti, ele fez dois gols”, relata.

Dos jogos marcantes no Scarpelli que recorda, todos eles envolvem o “Animal”. Conta do jogo contra o Fortaleza em 2005, onde o Figueirense venceu com o placar de 1x0 com gol de Edmundo, da goleada contra o Vasco por 5x1, com 3 gols dele.

“Não dá para esquecer também do penúltimo jogo da Série A (em 2005), contra o Brasiliense, em Brasília, quando vencemos por 2 a 0, com o primeiro gol do Edmundo. Com o resultado, escapamos de vez do rebaixamento daquele ano”, relembra, destacando um dos grandes feitos do jogador em partidas fora de casa.

No ano seguinte, em 2006, o time voltou a vencer o Campeonato Catarinense e obteve a sua melhor performance no Campeonato Brasileiro série A, fechando a competição em 7º lugar e conquistando uma vaga para a Copa Sul-Americana de 2007.

Outros tempos

Após os anos de ouro no início de 2000, o clube viveu novamente o sofrimento de correr contra a “degola” da Série B. Em 2008, apesar de ter sido campeão invicto do primeiro turno no campeonato estadual, o time voltou à segunda divisão do Brasileirão após sete anos.

Fabio recorda bem da fase final do campeonato, quando o Figueirense precisava vencer as três últimas partidas para ter chance de escapar do rebaixamento e depender ainda de outros resultados. “O penúltimo jogo contra o Botafogo, no Rio de Janeiro, eu não pude assistir na TV, pois bem na hora do jogo eu estava no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC), na apresentação de balé da minha filha. Mesmo assim, dentro do teatro, fiquei o tempo inteiro ouvindo o jogo com o fone de ouvido no meu Walkmann da Sony”, lembra.

Por fim, no último jogo, o Figueirense enfrentaria o Internacional em casa. Para escapar da zona de rebaixamento, precisava vencer e torcia para que o Náutico perdesse para o Santos. “Saímos perdendo de 1 a 0. Viramos o jogo e nada do Santos fazer um gol no Náutico. Nosso jogo terminou primeiro e a torcida ficou no Scarpelli aguardando o final do jogo lá. Foi muito sofrimento”, recorda.

Porém, a partida terminou sem gols e, consequentemente, o Figueirense foi rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro.

Após dois anos passando pela angústia de não conseguir o acesso para o Brasileirão, o Figueirense consegue alcançar esse feito na campanha de 2010, ao consagrar-se vice-campeão da série B pela segunda vez.

Os próximos anos foram marcados por oscilações, com queda para a série B no ano de 2012 e retorno à série A em 2014. No mesmo ano, o time foi campeão catarinense, conquistando o 16º campeonato . Atualmente, o time possui 18 títulos, o maior número de conquistas do estadual.

No campeonato de 2015, o time passou a marcar presença nas últimas colocações da tabela da série A e, após a queda à série B em 2016, não retornou mais à elite do futebol. Com dificuldades desde então, o Alvinegro convive agora com um cenário que não vivenciava há 22 anos: a queda para a série C do campeonato brasileiro.

Arte: Diogo Medeiros.

Mesmo compartilhando da tristeza pela situação atual, a torcida do Figueirense buscou uma forma de mostrar o seu amor pelo clube. Logo após a queda, iniciou-se um movimento para chegar a marca de 10 mil sócios até o centenário do clube, em junho.

Com a campanha, diversos torcedores aderiram à ideia e agora fazem parte do quadro associativo do time. Entre eles Locio, que carrega no peito as cores preto e branco desde a década de 80.

“Antigamente, eu era palmeirense. Viraram e mexeram, me convidaram, e eu virei Figueirense. Agora sou sócio. Vim incentivado pelo meu neto”, conta. Com a esperança do retorno aos anos dourados do clube, acredita que o Figueirense “vai pra frente, se Deus quiser”.

Após a campanha, o clube está com cerca de 4.500 sócios, pouco mais da metade do número divulgado no ano anterior, de oito mil sócios.

Colapso financeiro

Na última sexta-feira (12/3), o Figueirense obteve a negação de um pedido de recuperação extrajudicial ingressado na mesma data na Vara Regional de Recuperações Judiciais, Falências e Concordatas de Florianópolis. O documento apresentado aponta que o clube convive com a possibilidade de não conseguir manter um time durante a temporada de 2021, com risco de outro W.O.

A medida era uma tentativa, segundo o documento de 35 páginas, de suspensão da exigibilidade de “todos e quaisquer créditos trabalhistas e quirografários”. Atualmente, o Figueirense acumula uma dívida de cerca de R$165 milhões, sem contar os gastos mensais, que giram em torno de R$270mil, segundo o mesmo documento.

O pedido destacava, ainda, que o não aval para a recuperação extrajudicial poderia gerar o risco “do desaparecimento de uma instituição centenária e pioneira”. Com o pedido negado, ainda não é possível saber o futuro do clube que completará 100 anos de trajetória em menos de três meses.

Nos bastidores, a diretoria vai precisar se movimentar ainda mais para reerguer o clube e não fechar as portas no seu centenário. O caminho é longo e a torcida sabe disso. Se depender de apaixonados como a torcedora Rô, o Figueirense jamais estará sozinho.

“Cair para a Série C foi triste, mas tenho certeza que serviu para nos fortalecer e voltaremos com uma estrutura mais forte. Às vezes, precisamos de um tombo para nos levantarmos mais fortalecidos. O Furacão vai renascer das próprias cinzas, tenho certeza disso”, completou.

Informações e fotos: Arquivo Memorial Figueirense Futebol Clube. Arte: Diogo Medeiros

Para mais informações e fotos sobre os 100 anos do time, clique aqui.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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