Pinto no Lixo

Por falta de higiene íntima, cerca de mil homens têm o pênis amputado parcial ou totalmente a cada ano no Brasil

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5 min readAug 5, 2022

Por Gabriela Zwang

O câncer de pênis (CP) é um tipo relativamente raro de câncer, mas o que não é raro é a sua causa: a falta de higiene íntima masculina. Nos últimos 14 anos, foram registradas 7.213 amputações de pênis no Brasil, o que corresponde a um aumento de 1.604% no número desses procedimentos. Os dados, levantados pelo Ministério da Saúde, foram divulgados pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) em nota à imprensa. O Sudeste é a região com maior número de amputações, totalizando 2.872 casos, seguida de Nordeste (2.104), Sul (1.134), Norte (631) e Centro-Oeste (472). Os estados com mais cirurgias do tipo foram São Paulo (1.227), Minas Gerais (1.067) e Paraná (582).

O levantamento aponta que, em média, foram realizadas 515 cirurgias por ano para remover o órgão genital masculino por causa do câncer de pênis, que ocorre com maior incidência em homens a partir dos 50 anos, porém também pode acometer mais jovens.

Em nota, a urologista Karin Anzolch, diretora de comunicação da SBU, conta que em países com alto índice de desenvolvimento humano (IDH) o tumor de pênis é um dos mais raros. “Infelizmente, apesar de sermos um dos países no mundo com maior incidência da doença, a desinformação ainda é muito grande. Muita gente sequer sabe que pênis também pode ter câncer, e mais, que pode ser prevenível com medidas relativamente simples”, alerta Karin.

O médico urologista Rogério Moritz confirma que o fator gerador principal do câncer de pênis é a falta de higiene. Outros fatores, como os vírus, principalmente o HPV — papiloma vírus humano, também têm grande importância.

A fimose, que é a incapacidade de exteriorização da glande de dentro do prepúcio (pele que encobre a glande), pela retenção de esmegma (sujeira retida) e a irritação crônica decorrente também pode gerar o câncer. Fazendo a cirurgia de fimose (postectomia = circuncisão) melhora substancialmente as condições higiênicas, e, por conseguinte, diminui o risco do câncer de pênis. E ele destaca que quanto mais jovem for realizada a circuncisão, menor o risco desse câncer; quando a cirurgia é realizada em homens mais velhos, o risco diminui pouco.Mesmo as pessoas que realizam essa cirurgia ainda estão sujeitas a desenvolver a doença, caso não realizem a higiene íntima de forma correta seguida da secagem da região após o banho.

COM A PALAVRA, OS ESPECIALISTAS

O tabu que o assunto desperta também dificulta o processo de apuração jornalística. Na falta de urologistas dispostos a conversar sobre a questão, a médica, ginecologista e doutora em saúde da família, Dalila Lima, explica que entre a glande e o prepúcio, substâncias e bactérias ficam acumuladas e quando há falta de higiene da região, elas se acumulam ainda mais e geram um processo inflamatório local constante, que pode evoluir para um câncer, se não tiver diagnóstico e tratamento precoces.

A principal maneira de se prevenir o câncer de pênis é realizando a higiene adequada dessa área. A médica Dalila explica que é preciso lavar diariamente a região com água e sabão neutro, principalmente após relações sexuais ou masturbação, quando secreções e sujidades podem se acumular entre a glande e o prepúcio. O urologista Rogério Moritz destaca a importância de exteriorizar a glande durante o banho para lavar bem e, após o banho, também ter o cuidado de secar bem para evitar inflamações.

QUEM NÃO CUIDA, PERDE

Para a psicoterapeuta sexual Bruna Vargas, os homens ainda têm muitos bloqueios e receios quando o assunto é ir até um médico, principalmente em consultas com urologistas. “Eles acreditam que autocuidado está atrelado à falta de virilidade do homem, mas muitas vezes não têm noção de que essa falta de autocuidado pode gerar a remoção do órgão genital e ocasionar problemas muito maiores para a virilidade e saúde mental deles”, afirma.

O professor de Educação Física, José*, tem 52 anos e nunca havia ido a uma consulta com urologista. Sua primeira consulta foi seguida de uma cirurgia emergencial para a remoção de uma parte de sua próstata, após quatro dias sem urinar. “Eu achei que não era nada nos dois primeiros dias sem fazer xixi, preferi não ir ao médico. No terceiro dia comecei a sentir muitas dores, achei que era pedra nos rins. No quarto dia eu fui obrigado pelos meus filhos a ir até um urologista”, relata.

Ele recebeu o diagnóstico de próstata aumentada, quando há um crescimento anormal do número de células prostáticas, o que leva à compressão da uretra e respectivas queixas urinárias. Este é outro problema que poderia ter sido facilmente evitado com exames de prevenção. No caso de Júlio, a inflamação estava tão grande que, caso ele não tivesse tido problemas para urinar e tivesse descoberto o problema logo, a inflamação poderia ter evoluído para um câncer em pouco tempo.

Mas ele não é o único. De acordo com o urologista e professor de medicina da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rogério Moritz, em média, por ano, são atendidas de duas a três pessoas com câncer de pênis em estágio avançado no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU), em Florianópolis.

“O tratamento curativo do CP é a cirurgia. O diagnóstico sempre deve ser confirmado com biópsia da lesão. A cirurgia a ser realizada depende do grau de extensão (tamanho) da lesão. Se for uma lesão pequena, pode ser feita uma retirada completa da lesão, preservando o pênis. Quando a lesão é maior pode ser necessária uma amputação parcial do pênis, ou até mesmo a amputação total, nos grandes tumores”, informa..

O urologista ressalta que, principalmente a população mais carente, não tem acesso a informação e nem a produtos básicos de higiene. Esses são os principais afetados pela doença que buscam atendimento em postos de saúde e ambulatórios gerais. Exames de rotina e consultas com urologistas podem evitar que a doença evolua para casos mais sérios e acabe gerando a remoção do órgão.

SINTOMAS, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Entre os fatores que aumentam o risco da pessoa vir a desenvolver a doença estão o fumo e as consequências de doenças sexualmente transmissíveis maltratadas — por isso vale frisar a importância do uso de preservativo nas relações sexuais. Os principais sinais e sintomas da doença são feridas e úlceras persistentes no pênis, mas, além desses sintomas, também podem surgir:

  • Tumor na glande;
  • Tumor na pele que recobre a glande;
  • Tumor no corpo do pênis;
  • Secreção branca — esmegma;
  • Aumento anormal do tecido da glande.

Em caso de suspeita, é preciso procurar um urologista para entender o que pode estar acontecendo. O diagnóstico de câncer de pênis pode ser feito por meio de exames clínicos, laboratoriais ou radiológicos com uma amostra do tecido de qualquer lesão suspeita.

Quando diagnosticada em estágio inicial, a doença possui altas chances de cura. No entanto, a maioria dos homens demora mais de um ano para procurar um especialista, o que favorece complicações e o avanço do câncer. O tratamento depende da extensão local do tumor e do comprometimento dos gânglios inguinais — na região da virilha –, podendo ser feito por meio de cirurgia de remoção, radioterapia ou quimioterapia, conforme o caso.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer, o diagnóstico precoce é fundamental para evitar que a situação se agrave e seja necessário amputar parcial ou totalmente o pênis.

*Nome fictício

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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