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8 min readJun 20, 2019
Resistência: em 2018 foram retirados 28.283 mil Pinus do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Apesar da redução significativa, ainda é possível avistar algumas árvores da espécie pela restinga.

Texto por Ana Ritti e Emily Leão

Pinus prejudicam a biodiversidade da Ilha

Mesmo com Lei Municipal em Florianópolis, retirada da espécie invasora depende da ação de voluntários.

“A nossa diversão de fim de semana era ir pras dunas brincar no mato. Há 30 anos não tinha pinus lá, aquilo foi crescendo e ficando mais verde”. verde.” Se na infância ir para as dunas da Lagoa da Conceição, na região leste de Florianópolis, era uma atividade de lazer para Roberto Medeiros, o Beto,
de 42 anos, hoje em dia tem outro significado: trabalho e esforço para recuperar o ambiente nativo. Isso porque entre os montes de areia e o verde da restinga, o parque foi invadido por pinus — elliotti e taeda — , espécie de árvore exótica que consome muita água e encobre áreas, impedindo que a vegetação nativa e animais que dependem dela tenham condições de sobrevivência. Para recuperar esse ecossistema, além de devolver a paisagem e a vida de antigamente, Beto e outros voluntários se dedicam a eliminar a invasora.

Em Florianópolis, existe legislação para isso. Sancionada em 2012, a Lei Municipal no 9097 institui que os pinus — juntamente com eucalyptus e casuarina spp — devem ser erradicados e substituídos por espécies nativas até 2022. A três anos do prazo final, a retirada das árvores depende da ação de voluntários e eventuais trabalhos da Fundação Municipal do Meio Ambiente (FLORAM). Apesar disso, a aplicação da lei esbarra em questões técnicas e na falta de ações efetivas.

Para mudar esse cenário e fazer valer a lei, em abril de 2018 foi assinado o Decreto no 18.495, que prevê que o município, sob coordenação da FLORAM, tem o prazo de dois anos, a partir da data de promulgação, para realizar o diagnóstico e mapeamento das espécies na cidade e então definir estratégias para remoção e substituição. Dentro desse prazo, a entidade deve capacitar profissionais para as ações, criar programas de educação ambiental e de produção de mudas de espécies nativas. Além disso, ela é responsável pela fiscalização de áreas públicas e privadas, podendo autuar os proprietários através de advertência e multa.

O verde nocivo

Ter o verde no visual da cidade não é sinônimo de diversidade biológica. Segundo a professora Michele Dechoum, do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as exóticas invasoras são a segunda maior causa de perda de biodiversidade e extinção de espécies no mundo. O pinus é um exemplo, e além dos prejuízos ambientais,
ele também causa problemas econômicos e sociais. Eles afetam a alimentação dos animais e a polinização de insetos, invadem áreas de campo e de lazer ecológico, geram gastos com seu manejo em áreasmprotegidas, agrícolas e rodovias, e alteram a paisagem, conforme apresenta a base de dados do Instituto Hórus.

A espécie não fica restrita ao local onde foi plantada, suas sementes leves são dispersadas pelo vento para outras áreas. Cada árvore gera milhares de sementes que se espalham ao longo do ano. A semente se desenvolve e a planta, com cerca de quatro anos e cinco metros de altura, já começa a produzir novas sementes. Durante esse processo, o pinus utiliza água em excesso, aumenta a acidez do solo e quando maiores fazem sombra, impedindo que as nativas tenham água e luz, o básico para sobrevivência. Além disso, os animais que dependem daquele ambiente para alimentação e reprodução perdem espaço. “É como se você chegasse na sua casa e está uma bagunça. Aquele espaço não está mais organizado como você conhece, de repente a comida já não está mais ali disponível”, compara Michele.

Os pinus elliotti e taeda foram trazidos para a cidade nas décadas de 50 e 60 por incentivos do governo. Na época, mudas foram distribuídas para a população e também plantadas em áreas experimentais. Esperava-se que a madeira fosse comercializada e a árvore fosse uma barreira em regiões de dunas. Com o tempo, a ideia de comercializar pinus se mostrou
inviável por questões de estrutura e as áreas foram abandonadas. O Parque Estadual do Rio Vermelho é um exemplo: na década de 60, um projeto experimental encabeçado por Henrique Berenhauser, então presidente da Associação Rural de Florianópolis, em convênio com a gestão do governador Celso Ramos, fez com que os pinus tomassem conta de grande parte das áreas florestais daquela região. Berenhauser alegava que era preciso fazer uma barreira para evitar que o vento levasse a areia das dunas do leste da Ilha de Santa Catarina para aquela região e que os pinus seriam as árvores ideias para
isso; caso contrário, as áreas de plantação e pastagem seriam prejudicadas.

Com a plantação de milhares de mudas da espécie invasora, o Parque se tornou um banco de sementes, o que facilitou a proliferação da espécie em outros pontos na cidade, como mostra a Lista Comentada de Espécies Exóticas Invasoras no Estado de Santa Catarina, organizado pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA), em 2016.

Hoje, mesmo com discussões técnicas, a execução do trabalho se concentra em ações de voluntários. Só no ano passado, eles retiraram 28.283 pinus apenas no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Organizados pelo Instituto Hórus, grupos de no máximo 20 pessoas visitam o local para realizar o manejo mensalmente. “O programa veio em resposta à percepção de um problema muito grave que já era conhecido. Já havia ações feitas, inclusive pelo Ministério Público em 1998, mas eram pontuais, não efetivas. Com o desenvolvimento do programa, em contato com a universidade veio a oportunidade de oferecer um programa de extensão que também beneficiava a conservação do parque”, conta Silvia Ziller, diretora do Instituto.

Vizinhança: na Avenida das Rendeiras, que fica na extremidade das Dunas da Lagoa da Conceição, os Pinus ainda podem ser encontrados nas áreas residenciais. As sementes podem ser espalhadas pelo vento até os grandes montes de areia, prejudicando o avançado trabalho de manejo do local.

Entre alunos, professores e membros da comunidade, está Beto, que viu a oportunidade de aplicar seu conhecimento profissional em jardinagem e trazer de volta à memória a paisagem antiga. “O pinus foi se proliferando, a gente foi acostumando [com a paisagem], mas depois do projeto a gente percebeu o que acontecia. Sem o Instituto aquilo estaria perdido. Não ia ter mais areia, não ia ter mais nada. Quem fosse lá veria uma floresta verde, totalmente fechada de pinus.” Além da ação dos voluntários, motosserristas contratados vão ao parque para retirar as espécies de maior porte. O gasto com profissionais e material é custeado através de financiamentos coletivos e doações. Calcula-se que desde o início das atividades, em 2010, R$ 137 mil foram poupados dos cofres públicos com a retirada de mais de 350 mil mudas e plantas da invasora no Parque, conforme informações do artigo Engajamento de cidadãos no manejo de pinus exóticos invasores: faz diferença?, publicado em 2018 na revista científica Biological Invasions.

Apesar da dedicação dos voluntários, o trabalho precisa do engajamento dos moradores do entorno. “Ao longo da rua Osni Ortiga e da Avenida das Rendeiras, muitas casas têm pinus no quintal. Essas árvores estão jogando sementes para dentro do parque e não vão deixar a gente acabar o trabalho se não forem retiradas”, explica Silvia. No artigo da Biological Invasions, pesquisadores avaliam que um terço da área total do parque estaria invadida pela espécie exótica, caso as atividades de manejo não tivessem se iniciado. Estima-se agora que, com as retiradas no Parque e nas propriedades vizinhas, os pinus sejam erradicados do local até 2028.

Se na Lagoa da Conceição o apoio da FLORAM é institucional, em outros pontos invadidos a retirada é pontual. A falta de organização e recursos da entidade é um dos fatores que atrapalham o desenvolvimento de ações, como explica Mauro Manoel da Costa, chefe do Departamentode Unidades de Conservação. “Precisaria ter um corpo técnico permanente para isso, um grupo operacional de no mínimo dez pessoas. Profissionais capacitados para o uso de motosserra e outros equipamentos. Tem que ter a parte de comunicação também, talvez dentro dessa equipe técnica ter um educador ambiental.” Isso acaba não acontecendo porque outras questões ganham prioridade. Até o momento, foram realizados manejos e fiscalização na Galheta, no sul da ilha; Daniela, no norte; e Lagoa do Peri, no sudeste. Ali foram feitos trabalhos de comunicação com a população do entorno, com a distribuição de folderes que explicam as ações, já que ainda existe preconceito contra o corte.

Quase sete anos depois da promulgação da lei, Mauro e Silvia concordam que é inviável erradicar os pinus no prazo de dez anos, como previsto. Isso se deve à falta de informação e atuações práticas da prefeitura desde o início. “As pessoas têm boa intenção, mas na verdade não sabem o que é preservar a natureza. Então, se há boa intenção, e na medida em que há ação prática, elas se dão conta: ‘poxa, pinus é ruim, então vou tirar o meu’”, diz Silvia. Para Mauro, no cenário atual é necessário fazer algo efetivo para salvar a ilha da espécie exótica invasora. “A política da FLORAM precisa ganhar corpo enquanto instituição, para dar conta desses gargalos.” Já a professora Michele alerta: “à medida que o tempo passa, essas espécies vão ocupando o espaço das nativas. O tempo joga a favor das invasoras”.

O que são espécies exóticas invasoras

As espécies exóticas invasoras são caracterizadas por sua rápida reprodução e proliferação, elas dominam os ambientes que invadem e prejudicam espécies nativas, causando extinções, perda de biodiversidade e alteração de ecossistemas. “Nenhuma planta exótica tem uma função ecológica da mesma forma que tem uma planta nativa. Quando elas são invasoras elas destroem as funções ecológicas, porque dominam o ambiente e não deixam o ambiente funcionar como deveria. Usam mais água porque crescem muito rápido e assim impedem a regeneração e crescimento de espécies nativas, elas não convivem com as nativas mas as expulsam. Isso significa que animais ficam sem suas fontes alimentares, inclusive insetos, que vivem dos néctar das flores e de plantas em geral, e são extremamentes importantes como polinizadores”, explica Silvia Ziller, diretora do Instituto Hórus.

Exemplos

• Acácia-mimosa (Acacia podalyriifolia): nativa da Austrália, é proibido plantá-la em Santa Catarina. A espécie invade vegetações como a restinga e impacta as espécies nativas;

• Ipê de jardim (Tecoma Stans): nativa da América do Norte, a espécie é considerada invasora pois degrada florestas, pastagens e áreas agrícolas. Seu plantio também é proibido no Estado;

• Casuarina (Casuarina equisetifolia): nativa da Austrália, é encontrada predominantemente em áreas litorâneas para o uso de contenção de dunas.

Evite a disseminação

• Comece conhecendo as plantas do seu jardim;
• Ao reconhecer uma espécie exótica, entre em contato com a
FLORAM através do número (48) 3251–6500 para informações
de retirada;
• Faça a substituição por espécies nativas;
• Não cultive plantas exóticas invasoras.

FONTE: LISTA DE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS DO INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE SANTA CATARINA (IMA-SC)

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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