Reconhece esse som?

Zero
14 min readMar 31, 2022

Na indústria da música, acusações de plágio levantam debates sobre os limites entre cópia e liberdade criativa

Por Bárbara Justi e Lucas Ortiz

Em março de 2022, um processo judicial contra a estrela do pop Katy Perry chegou ao fim, após quase oito anos de duração. A cantora estadunidense foi acusada de plagiar a faixa “Joyful Noise” (2008), do seu conterrâneo Flame. Na alegação, o rapper apontava sequências de notas musicais idênticas entre sua canção e o hit Dark Horse” (2013). Como resultado, o Tribunal de Pasadena, na Califórnia (EUA), foi favorável a Katy, determinando que Flame não receberia indenização por direitos autorais. As semelhanças musicais dos dois singles seriam genéricas demais, ao ponto de não configurarem uma cópia.

Veja o reels “Isso é mesmo plágio” em @raphaelamrr

Assim como esse caso, todos os anos, são incontáveis as denúncias envolvendo propriedade intelectual na indústria da música. Poucos acusadores, no entanto, conseguem provar que tiveram suas obras plagiadas por outros artistas. Isso porque os limites entre a liberdade criativa e a reprodução ilegal de conteúdos podem ser bastante confusos, não só para leigos como também para experts no assunto.

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“No Tears Left To Cry”
“Parado no Bailão”
“Why Don’t You Get a Job”

A advogada Raphaela Moreira explica que não há uma definição clara, na lei brasileira, do que seria plágio. “Esse termo só é utilizado na legislação criminal. É um conceito popular. Na área jurídica, fala-se de ‘uso indevido de obra’”. Segundo a especialista em registro de marca e proteção de direitos autorais, o motivo para a existência de tantas interpretações a respeito do tema seria justamente a falta de regras específicas.

Mas, afinal, o que é plágio?

De acordo com Daniel Batista — professor e produtor musical –, plágio na música é composto por dois elementos: um fenômeno sonoro, que pode ser identificado de maneira técnica, e uma decisão judicial, que vai averiguar se houve ou não uma violação de propriedade intelectual. “A melodia da voz, a letra cantada, a harmonia e o ritmo têm que possuir um nível de congruência muito próximo para podermos cogitar a abertura de um processo na Justiça. Isoladamente, alguns acordes em comum não configuram uma cópia, porque na arte, às vezes, possuímos as mesmas ferramentas para fazer obras diferentes”.

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“Break My Heart
Plágio: o caso Adele x Toninho Geraes
Plágio: o caso Adele x Chico Buarque
Plágio: o caso Levitating

Raphaela complementa que “há pessoas que dizem que, se você usa oito acordes de uma música, está copiando. Mas isso não é verdade. Para apontar uma ilegalidade, nesse sentido, usamos como parâmetro a possibilidade de identificar outra música com base na que estamos escutando”. Se a presença de similaridades entre duas músicas não for autorizada, trata-se de um plágio.

A exemplo disso, no ano passado, Ávine Vinny e Matheus Fernandes, cantores de forró eletrônico, se envolveram em uma polêmica com o britânico James Blunt, a partir da música “Coração Cachorro” (2021). Sucesso nas redes sociais, a canção brasileira fazia uso, sem autorização, de um falsete do refrão de “Same Mistake” (2007). “O recurso foi cantado nos mesmos tom e ritmo dentro da música. Por ser um trecho muito característico, seria muito difícil não reconhecer que aquele ‘uivado’ vem da música do Blunt”, esclarece Daniel.

Segundo a Universal Music Publishing Brasil, após um acordo amigável entre os três artistas envolvidos, o nome de James Blunt passou a constar na ficha técnica de “Coração Cachorro”. O britânico ainda recebeu 20% dos direitos autorais do single. A resolução, porém, é questionável do ponto de vista jurídico.

Raphaela afirma que, nesse caso, os autores poderiam ter se recusado a creditar James Blunt. “Vejo o trato feito entre eles como boa vontade dos artistas brasileiros. Cabe discussão sobre a originalidade do trecho de Blunt usado na canção. Se não nos remetesse imediatamente à música ‘Same Mistake’, seria mais difícil de eles cederem, amparados pela legislação”.

Na Lei de Direitos Autorais, nº 9.960 de 1998 — principal instrumento legal para resguardar a propriedade intelectual no Brasil –, o inciso VIII do Art. 46 diz que “não constitui ofensa aos direitos autorais reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”. No Art. 47 da mesma lei é dito que “são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. Conforme Raphaela, embora a situação tenha envolvido artistas de países diferentes, há convenções internacionais que uniformizam as questões envolvendo direitos autorais. “A obra de James Blunt está protegida pela legislação brasileira, porque as músicas dele tocam aqui também”.

Além da Lei 9.960, a questão dos direitos autorais é tratada pelo Art. 5º da Constituição Federal, nos parágrafos XXVII e XXVIIIl; e pelo Art. 184 do Código Penal.

Direitos Autorais sobre uma obra

Para Daniel, o limite entre a liberdade artística e o plágio está na responsabilidade que um compositor tem ao reproduzir o trabalho de uma pessoa. “Como vários instrumentos musicais se repetem, é bastante comum um som se inspirar no outro. Não colocar na ficha técnica que a música possui um autor original torna um lançamento mais barato. E muitas pessoas escolhem esse caminho mais ‘fácil’, embora errado, porque assim você não precisa pagar copyrights [direitos autorais] para ninguém”.

Foi o que aconteceu, nos Estados Unidos, com o hit good 4 you” (2021), da cantora Olivia Rodrigo. Após a faixa alcançar o topo de rankings internacionais por número de reproduções, diversos ouvintes identificaram semelhanças entre ela e a canção “Misery Business” (2007), da banda Paramore. Técnicos em música depois constataram que havia ali um fenômeno chamado de “interpolação”. Foi, então, necessário acrescentar mais dois nomes na ficha técnica. Além de Olivia Rodrigo e Dan Nigro, que já constavam na lista, foram inseridos os compositores Hayley Williams e Josh Farro. “Isso significa que todo o lucro que viria mais tarde da música da Olivia seria dividido entre essas quatro pessoas. Foi uma ‘coautoria tardia’, explica Daniel.

Veja os reels em @somdodan: “good4u”

Do ponto de vista jurídico, esse tipo de conduta, enquanto não regularizado, é visto como uma falsificação de identidade. “É como se o indivíduo tomasse a criação de uma pessoa, com a personalidade dela inserida na obra, e atribuísse a si mesmo”, comenta Raphaela. “Para que um autor tenha direitos sobre uma música, basta que ele seja o criador dela. Não é necessário um registro formal. Porém, é importante que a pessoa possua provas de uma anterioridade para proteger esse direito. Em casos de plágio entre duas canções, a obra mais antiga sempre vai ser vista como a original”.

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Como fazer o registro de autoria de uma música

Artistas interessados em coletar esse tipo de provas de autoria podem fazer uma ata em cartório que fortaleça sua posse de um determinado direito, registrar suas obras no Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, ou fazer cadastro em uma das sete associações de música que compõem o Escritório Central de Arrecadação (Ecad): Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus); Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (Amar); Associação de Intérpretes e Músicos (Assim); Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem); Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais (Sicam); Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Autorais (Socinpro); e União Brasileira de Compositores (UBC). Essas instituições atuam no relacionamento com diferentes classes da cadeia produtiva de música no Brasil e na definição de normas de arrecadação de copyrights.

Para a Justiça, segundo Raphaela, um direito autoral se divide sempre entre duas esferas: a moral e a patrimonial. “Na primeira reside o sentimento que o artista carrega pela sua criação. Já na patrimonialidade, o autor decide como a obra será explorada, quais os limites de edição, reprodução, distribuição e tudo mais”. Em geral, quando o detentor de uma obra falece, os direitos autorais ficam para seus herdeiros até completar 70 anos da morte do artista. Depois, a música cai em domínio público. Se uma obra possui mais de um autor, ela só se torna pública após os 70 anos da morte do último artista que falecer.

Os acordos de reprodução e adaptação de músicas entre artistas diferentes são feitos com base nos direitos patrimoniais. “Cada combinado vai definir as condições de uso. Alguns preveem apenas que o detentor seja creditado, outros impõem o pagamento de parcela do lucro obtido com a adaptação. Mas o importante é que todas as partes estejam cientes de suas responsabilidades”, declara a advogada.

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Plágio X adaptação

Para um livro ser considerado plágio de outro, ele precisa ter um trecho com quase todas as palavras na mesma ordem ou uma quantidade muito grande de ideias semelhantes. Na música, a situação é um pouco menos evidente e mais complexa, já que existe possibilidade muito maior de adaptar obras antigas, dentro da legalidade, transformando-as em algo completamente novo.

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“Bum Bum Tam Tam”
“7 rings”
“Ela senta rebolando”
“Pump It”

“Numa adaptação musical, o artista escolhe um aspecto de uma canção preexistente que considera ter funcionado — por exemplo, a melodia –, muda um pouco e faz sua própria música com aquilo, com o consentimento do autor original”, exprime Daniel. “Um tipo de adaptação bastante recorrente é a interpolação, que ocorreu no caso de “good 4 u” e “Misery Business”.

Interpolar, no mercado musical, é trabalhar elementos melódicos de uma canção, em uma nova gravação, alterando algumas notas. Além de “good 4 u”, é possível citar o exemplo de “Of The Night” (2013), da banda britânica Bastille, que ainda se apropria da técnica de mashup — mistura de duas músicas em uma só –, fazendo referência às faixas “Rhythm is a Dancer” (1992), do grupo SNAP!, e “The Rhythm of the Night” (1995), da brasileira Corona.

Daniel cita ainda o exemplo de “girls girls girls”, da cantora Fletcher. “Segundo algumas pessoas, essa música seria uma versão interpolada de “I Kissed a Girl”, de Katy Perry, com uma letra mais representativa das relações homoafetivas entre mulheres, com menos fetichização. Não se trata de um plágio, porque a coautoria de Katy Perry figura na ficha técnica”.

Veja os reels em @somdodan: “girls girls girls”

Por “versão”, entende-se uma canção inspirada em outra, com alterações na letra original. Um dos tipos mais comuns de versão seria a internacional, que acontece quando uma música estrangeira é assumidamente traduzida para outro idioma e retrabalhada. “‘Hallelujah(1984), de Leonard Cohen, é uma das faixas estrangeiras que mais possui versões em português”, exemplifica Daniel. O produtor ainda acrescenta que a letra de uma versão não necessariamente precisa ter o mesmo significado que a original.

“Festa no Apê” (2004) é uma versão brasileira do hit moldávio “Dragostea Din Tei” (2003)
“Ragatanga”, sucesso brasileiro dos anos 2000, é uma versão em português de “The Ketchup Song” do grupo Las Ketchup, da Espanha. O refrão de ambas as canções faz referência à música “Rapper’s Delight”, da banda de rap estadunidense Sugarhill Gang.
“À Sua Maneira” (2002) não é uma canção originalmente brasileira. Trata-se também de uma versão de uma obra composta na língua espanhola. “De Música Ligera” (1990) foi escrita pelo argentino Gustavo Cerati e interpretada pela banda de rock Soda Stereo.
O single “Vou de Táxi” (1988), que projetou a carreira nacional de Angélica, é uma versão da música francesa “Joe le Taxi” (1987), famosa na voz de Vanessa Paradis.

Quando uma versão altera completamente a mensagem da letra original, mas mantém os mesmo ritmo e melodia, tem-se uma paródia. “Nesse tipo de adaptação, o artista tenta ser ainda mais fiel à sonoridade da canção original, para que as pessoas se lembrem da origem da inspiração. Não é uma simples tradução. Geralmente, vem carregado de uma crítica ou um ar cômico”, comenta o artista entrevistado.

Paródias que fazem críticas diretas à letra de uma canção, mostrando um outro lado da mensagem — geralmente com opiniões vindas de um pessoa que não se insere no público-alvo da original –, são chamadas de “música de resposta”.

Todas as adaptações e versões, com exceção de paródias e paráfrases, se encaixam na Lei de Direitos Autorais e estão sujeitas a penalidades por uso indevido de propriedade intelectual, se não forem feitas com consentimento da autoria original. Em 2021, a cantora Melody lançou “Assalto Perigoso”, uma versão de “Positions” (2020), da Ariana Grande. No entanto, esta não está como coautora na ficha técnica da brasileira, o que poderia implicar em um futuro processo de plágio, caso a cantora estadunidense decida reivindicar seus direitos.

O mesmo se aplica para os remixes. “Uma canção tem em média de 30 a 50 instrumentos ou efeitos tocando ao mesmo tempo. No ato que chamamos de remixagem, os DJs pegam cada uma dessas trilhas separadas e fazem alterações musicais nelas, colocando a obra em um novo formato. Geralmente, isso acontece com o consentimento do autor e precisa ser registrado, dando a ele créditos de coautoria”, afirma Daniel. Alguns remixes acabam alcançando mais audiência do que seus originais, como o hit eletrônico “I Took a Pill in Ibiza” (2016), de Mike Posner. O primeiro mix conta com 42 milhões de visualizações no YouTube, contra 1,4 bilhões da adaptação da dupla de DJs Seeb.

No caso de covers — quando grupos ou cantores solo tocam músicas de outros artistas –, Raphaela explica que também cabe processo judicial, se os direitos autorais não forem respeitados. Há casos em que os autores originais movem ações contra os responsáveis pelo cover, seja para requisitar parte do lucro, seja por não desejarem que seu nome esteja relacionado àqueles artistas. O grupo Abba, em 2020, entrou na Justiça contra o Abba Mania (cover) pelo uso do nome da banda sem permissão. Determinou-se, então, que mudassem a nomenclatura. “Os artistas de cover estão cantando a propriedade intelectual de outros artistas. Então, nesse contexto, essas pessoas que detêm os direitos autorais sobre a obra precisam ser remuneradas pelos seus direitos autorais, em situações de uso comercial. Como e quando esse pagamento vai acontecer, cabe às partes envolvidas fazerem um acordo”.

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“Doin’ Time”
“Várias Queixas”

Nem tudo é sample

Talvez o termo que mais cause confusão nos debates sobre plágio e transformação criativa de músicas seja o sample. “No Brasil, a palavra muitas vezes é confundida com a incorporação de elementos melódicos de uma canção por outra. No entanto, ‘samplear’ se refere a pegar uma gravação qualquer e usar elementos dela dentro de uma música, mesmo que alterados e completamente descaracterizados”, segundo Daniel. Neste caso, é importante referenciar os autores originais da obra e pedir autorização de uso.

Veja o IGTV em @somdodan: “sample X plágio”

Traduzido do inglês, sample significa “amostra”. A prática surgiu nos primórdios do hip hop, no final dos anos 1970, e se tornou comum em outros gêneros, com o avanço da internet. Um exemplo recente é o da música “Girl from Rio” (2021), da brasileira Anitta, em que a cantora comprou o sample — um dos mais caros da música brasileira –, não apenas de uma parte, mas de toda a melodia de “Garota de Ipanema’’ (1964). Quem recebeu o dinheiro foi a família de Tom Jobim, detentora de seus direitos autorais. O artista é creditado na ficha técnica do single, em um acordo de coautoria póstuma.

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“Girl From Rio”
“Si Veo a Tu Mamá”

Confira exemplos de samples e suas respectivas gravações originais:

A música “Icon”, do rapper estadunidense Jaden, possui um sample de “The Hi De Ho Man”, originalmente performado pelo cantor de jazz Cab Calloway
Skrillex utilizou sample de um vídeo de cup stacking (esporte de empilhar copos) em sua faixa “Scary Monsters and Nice Sprites”
O instrumental do hit “Hotline Bling” (2016) sampleia a música “Why Can’t We Live Together” (1972), do cantor de R&B Timmy Thomas.
“Toxic” (2003) contém um sample de “Tere Mere Beech Mein”, trilha sonora do filme indiano Ek Duuje Ke Liye (1983). Durante toda a canção, notam-se sons agudos de cordas, típicos no cinema de Bollywood.
Eugene Record, vocalista do grupo The Chi-Lites, consta como coautor do hit “Crazy In Love” (2003), devido à utilização de um sample da música “Are You My Woman (Tell Me So)” (1970) na canção.
“Somebody That I Used To Know” (2011) usa sample da música “Seville” (1967) do cantor e compositor brasileiro Luiz Bonfá.

Uso comercial X uso informativo

Os direitos autorais sobre canções continuam sendo um debate mesmo fora do ramo musical, já que canais de YouTube, podcasts, propagandas e veículos de imprensa também enfrentam problemas relacionados aos créditos.

Segundo o artigo 184, da lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003, quem violar esses direitos podem sofrer pena de prisão de três meses a um ano ou ser multado, caso “a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente”. A pena pode aumentar para dois a quatro anos se “quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no país, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente”.

A Lei de Direitos Autorais, por outro lado, não é absoluta. Segundo Raphaela, a legislação busca proteger os direitos do autor, mas é necessário também proteger a liberdade de expressão e o direito à informação.

No meio comercial, deve-se pagar uma parte dos lucros para os detentores da obra, pois ela será vinculada diretamente ao nome da empresa. Em relação a veículos informativos, creditar costuma ser suficiente, mas há casos em que canais de YouTube são banidos da plataforma, podcasts são removidos e jornais sofrem processos judiciais. “Por vezes, os strikes [denúncias de violação de propriedade intelectual] no YouTube e em outras redes sociais ‘derrubam’ conteúdos que se enquadram nas exceções legais. Como a lei é de 1998, não há definições a respeito dos conteúdos online. Então as decisões são bastante arbitrárias”, argumenta a advogada.

De acordo com o artigo 46 da lei em questão, “não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo […], com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos”.

Conscientização

Atualmente, com as redes sociais e as plataformas de streaming tornou-se mais fácil reconhecer similaridades entre obras. Porém, Raphaela e Daniel alertam que, mesmo que uma ação de plágio seja aberta na Justiça, a decisão é apenas judicial. No Código Penal, acusar alguém falsamente de um crime, sem ter provas, configura calúnia e pode resultar em pena de seis meses a dois anos, conforme o Artigo 138. Não cabe ao público geral definir se houve um uso indevido de propriedade intelectual.

Crimes de plágio geram processos que, além de necessitarem de uma análise detalhada, normalmente envolvem uma grande quantia de dinheiro. Não à toa, muitos deles são reabertos depois de um certo tempo, como é o caso do Led Zeppelin com a banda Spirit, em que a primeira é acusada de plagiar, na canção “Stairway to Heaven” (1971), uma parte da faixa “Taurus” (1968). O caso já teria sido decidido em 2016, mas foi revisado em 2019. Entretanto, a Justiça não aceitou, mais uma vez, a acusação e, em 2020, Led Zeppelin saiu vitorioso.

Veja os reels em @somdodan: “Stairway to Heaven”

Independentemente da época, acusações de plágio sempre existiram, mas, atualmente, são muito mais recorrentes pela facilidade de acesso à informação. Trabalhos como o que Daniel Batista faz em suas redes sociais são necessários para democratizar a educação musical e elucidar dúvidas sobre o tema. Atualmente, o produtor mantém 29 mil seguidores em seu perfil no Instagram e 45 mil no Tiktok, e traz diversas curiosidades sobre a música e suas ramificações.

“A música é muito interpretativa. Vai ter sempre alguém para apontar semelhanças entre obras, outras pessoas vão dizer que uma coisa não tem nada a ver com a outra. É por essas e outras que eu não chego e ‘bato um martelo’ sobre ser plágio ou não. O que eu mais gosto de fazer é comparar canções com suas versões anteriores, apontando similaridades e diferenças”, conta o artista, conhecido como “Dan” pelos que o acompanham. Ele, que estuda música há 10 anos, relata que cursou dois anos de Jornalismo e aprendeu com a profissão a importância de se atentar às palavras. “A internet é um ambiente extremamente polarizante e polarizado. Eu sei que, ao falar sobre um assunto, cada escolha de vocábulos precisa ser muito bem calculada, para que a mensagem não tome uma outra proporção”.

Confira os reels em @somdodan:

“Blinding Lights”
“Rich Girl”
“Ela é Espetacular”
“Carmen”

Raphaela Moreira, que também utiliza as redes sociais para informar seu público sobre o meio jurídico, afirma que conscientizar as pessoas é significativo, principalmente para que sejam compreendidas as possibilidades de transformação artísticas. “As músicas são construídas com base na cultura. Plágio se dá apenas quando semelhanças entre duas obras são muito evidentes e não é feita a devida creditação de autoria. Transformação criativa é o feito de acrescentar uma nova personalidade a um produto da arte. Essas mudanças são naturais e não necessariamente ruins”, finaliza.

Confira os reels em @somdodan:

“Vermelho”
“Rain On Me”
“Quiero Rumba”
“MONTERO”

Reportagem por Bárbara Justi e Lucas Ortiz, com orientação dos professores Valentina Nunes e Ildo Golfetto.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC