Pandemia provoca êxodo de estudantes e altera mercado imobiliário na região da UFSC em Florianópolis
Reportagem de: Renan Schwingel e Zé Maia
“A situação econômica que enfrentamos aqui é uma situação de baixa [procura por imóveis], devido à ausência das aulas presenciais na UFSC.” Quem descreve o impacto da pandemia no setor imobiliário em Florianópolis é Marco Aurélio Vasques Dutra, 31, administrador do hostel The Gallery. Localizado na região do campus Trindade, antes da pandemia, o local era um dos diversos espaços para hospedar universitários recém-chegados. Das dez residências disponibilizadas pelo hostel, apenas quatro permanecem ocupadas.
Marco explica que, no passado, a hospedagem de alunos no hostel aconteceu por conta da demanda e da necessidade, pois a baixa procura de turistas abriu espaço para oferecer esse tipo de serviço. “A gente decidiu adaptar e aderir a esse mercado que estava mais encaixado com a nossa localização.” Porém, o número de interessados diminuiu a partir da adoção do ensino remoto pelas instituições de ensino, em março de 2020. “Influencia muito o nosso setor imobiliário, pois o aluno não precisa estar presente na cidade”, comenta.
Um dos estudantes que decidiu voltar à cidade de origem foi Gabriel Philippi de Carvalho, 20, acadêmico de Jornalismo na UFSC. O retorno à Joinville, no norte do estado, aconteceu logo após o anúncio de que as aulas seriam suspensas, ocorrido em 15 de março do ano passado. Gabriel relata que seus pais estavam em visita a ele no dia em que a suspensão foi anunciada, e que não tem ido à capital desde então. “Só voltei para encerrar [o contrato da] minha quitinete por lá.” Sua residência ficava no bairro Pantanal, onde morou sozinho até deixar o local. “Fui o primeiro morador dessa quitinete.”
Direto com o proprietário
Não é incomum que a negociação de locação na região seja feita diretamente com o proprietário, e este foi o caso de Gabriel. Segundo o estudante, um colega que havia sido aprovado para outro curso da instituição o auxiliou na busca por moradia, pois residia nas proximidades. “Não teve intermédio de imobiliária.”
A locação feita por Lázaro Bruno Siqueira Silva, 25, também não passou por uma imobiliária. Nascido em Cacoal, no estado de Rondônia, o acadêmico de Farmácia chegou na capital de SC em 2019, e hoje reside no bairro Pantanal. “Cheguei à cidade com dinheiro suficiente apenas para alugar um quarto compartilhado.” O acadêmico relata que a vaga foi encontrada em um grupo nas redes sociais, mas precisou trabalhar como freelancer de uma empresa de eventos para custear a estadia na república por cerca de um ano.
Apesar da suspensão das aulas presenciais, Lázaro conseguiu manter-se no local, por ter sido selecionado para receber auxílios financeiros da assistência estudantil da UFSC — bolsa estudantil e auxílio moradia, que totalizam R$ 1.004,00 –, que representam sua atual fonte de renda. O valor pago pelo aluguel do quarto é de R$ 500,00 ao mês. “A única força maior que me faria mudar temporariamente de Florianópolis seria em decorrência de um inesperado agravamento do quadro de saúde dos meus pais ou irmãos.”
Já a renda da acadêmica de Engenharia Civil, Miriam Harumi Sato, 22, vem do estágio em uma empresa privada e da ajuda financeira da família. “Meus pais me ajudam a pagar as contas, e eu me viro com alimentação, transporte e outros gastos.” Assim como Lázaro, a estudante locou o espaço onde reside por meio de contato direto com a proprietária. O aluguel custa cerca de R$ 800,00 por mês, valor que ela divide com sua colega de quarto. “As contas de água, luz são à parte, e a internet dividimos com vizinhos e com a dona da casa.” Os custos com moradia representam mais de um terço do orçamento que ela dispõe mensalmente.
Para a técnica de saúde Leide Sayuri Ogasawara, 35, o imóvel que disponibiliza para locação no bairro Itacorubi é uma de suas fontes de renda. Proprietária do apartamento desde 2006, ela conta que morou nele durante a graduação. “Morava e, enquanto estudava, alugava um dos quartos para complementar a renda.” Hoje, o valor do aluguel representa 35% de sua renda mensal, servindo como complemento. Além disso, Leide tem também outra motivação para esse tipo de investimento. “É pensando na minha aposentadoria que invisto em imóveis”, explica.
Cidade cara para viver
Com população estimada em mais de 500 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Florianópolis é a segunda cidade mais populosa do estado. Em 2020, devido à pandemia da Covid-19, tornou-se a capital com o maior aumento do valor da cesta básica no país. Segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, promovida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a alta em setembro do ano passado foi de quase 10%, superando as demais capitais brasileiras.
Divulgado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), o Índice de Custo de Vida (ICV) em Florianópolis, baseado no Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), é um cálculo que usa os preços de diversos itens, em especial os da cesta básica, e os relaciona com o orçamento familiar da população que recebe até quatro salários mínimos, como ocorre com a maioria dos universitários. No último mês de dezembro, a alta no Índice de Custo de Vida em Florianópolis foi de 0,91%, ou seja, 0,20% a mais que o mesmo mês do ano anterior.
Variação mostra aumento do custo de vista no primeiro ano de pandemia. Arte: Diogo Medeiros
A consequência disso pôde ser sentida por quem permaneceu na região do campus Trindade durante a pandemia, como acontece com Lázaro. “Os produtos de padarias, mercados, bares, lojas e restaurantes possuem uma média de valores acima das outras regiões da ilha.”
Descontos e impacto do IGPM
A busca por imóveis para estudantes e professores faz parte da rotina da corretora Gleice Cataldo, 66, que atua como autônoma na área desde que se aposentou como educadora. “Olho sempre a vocação do imóvel para estudantes, que tenha segurança, praticidade, que seja próximo dos portões da UFSC.” Com o agravamento da pandemia, a corretora relata que alunos da UFSC que residem na região têm solicitado descontos no valor do aluguel. É o caso de Letícia Silva, 22, que também estuda Engenharia Civil. Ela está em Florianópolis desde 2017, e mora no apartamento atual há nove meses. “Compartilho com mais duas pessoas, incluindo todos os gastos, produtos de limpeza, condomínio, aluguel etc., somam R$ 700,00 para cada.” Houve a concessão de 17% de desconto no valor do aluguel aos inquilinos.
A conduta adotada no mercado imobiliário é que os contratos de locação sejam regidos pelo ajuste do IGPM, sigla para Índice Geral de Preços do Mercado. “Teve imóveis com até 32% de reajuste”, relata Gleice. A elevação deste balizador entre 2020 e 2021 resultou em valores acima do esperado para inúmeros acadêmicos que haviam locado imóveis por um preço menor. A profissional afirma que está em discussão a mudança no índice usado para estipular os valores, possivelmente incluindo a substituição do índice atual por outro. “Existe uma tendência para os novos contratos não serem mais regidos só pelo IGPM.”
O Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina (Creci-SC) é o responsável por zelar pela boa condução das atividades da área no estado. Segundo o presidente do órgão, Antonio Moser, 62, o IGPM mais elevado que o esperado não deverá permanecer por muito tempo. “Os aumentos são cíclicos, e já tivemos períodos em que o IGPM foi negativo.”A situação tem contribuído para que mais estudantes continuem retornando à casa da família, e a quantidade de imóveis disponíveis para locação aumente. “Mercado é oferta e procura”, argumenta Antonio.