Túnel, barco e teleférico: projetos em Florianópolis que nunca saíram do papel

A pauta da mobilidade urbana é constante em governos municipais e estaduais, mas diversas soluções propostas não se mostram viáveis e continuam engavetadas

Zero
17 min readSep 24, 2021

Por João Scheller e Mahara Aguiar

Imagine sair de São José e chegar na UFSC, um trecho de 15 km, em menos de 20 minutos ao invés de duas horas. Um sonho — sonho mesmo. Pois, o túnel ligando a ilha de Santa Catarina ao continente, o sistema de ônibus com faixas exclusivas transportando moradores dos quatro cantos da Capital e o teleférico conectando os bairros no entorno da região central são alguns dos projetos já considerados pelo poder público para solucionar o trânsito caótico de Florianópolis. Em comum: nenhum deles saiu do papel. Mesmo depois de tantas propostas, a cidade segue, ao longo das últimas três décadas, com um sistema de mobilidade urbana cada vez mais incompatível com o seu crescimento.

Os números corroboram o caos. Em 2014, Florianópolis foi considerada a segunda cidade com a pior mobilidade urbana do mundo, pelo estudo do pesquisador Valério Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB). Foi a pior Capital brasileira dentre as 21 pesquisadas, com uma pontuação de 0,199 — São Paulo, símbolo dos engarrafamentos e trânsito caótico, ficou em quinto lugar, com 0,373. Pelo aplicativo usado no estudo, quanto menor o número, pior a conexão e organização das ruas.

Desde então, cada vez mais pesquisas e dados reforçam essa constatação. Em 2017, o Índice de Satisfação dos Motoristas, do aplicativo de inteligência de trânsito Waze, indicou que Florianópolis era a pior cidade do Brasil para dirigir — a capital de SC teve nota 3,98 de 10. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 a frota de automóveis em Florianópolis era de 232 mil — equivalente a 0,45 carros a cada pessoa. E a Capital tem, ainda, uma das piores ocupações de automóveis do país, com 13 pessoas a cada dez carros, de acordo com levantamento feito pelo projeto Ponte Viva, da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF).

O problema de mobilidade se deve em parte às características geográficas da Capital: uma ilha com vales e maciços não é um lugar fácil de planejar malhas viárias. Mas esse não é o único motivo. O histórico de crescimento urbano da cidade também colaborou para o cenário de desordem atual. Na década de 1920, Florianópolis deixou de ser uma cidade portuária, importante parada marítima comercial no Sul do país, para virar sede administrativa, de comércio e de serviços da região. Inaugurou-se a Ponte Hercílio Luz em 1926, começaram a circular as primeiras linhas de ônibus oficiais e caiu a demanda pelos serviços de lanchas de passagem que atravessavam as baías — e pelos transportes de tração animal.

Poucas décadas depois, a gentrificação — processo de “enobrecimento” de áreas antes periféricas –, e a urbanização forçada de áreas centrais forçaram o deslocamento de populações para cidades vizinhas, como Biguaçu e Palhoça, além de pontos mais afastados da ilha. Isso, por sua vez, aumentou ainda mais a distância entre trabalho e moradia para milhares de moradores. As pessoas começaram a abrir suas próprias vias para facilitar seu deslocamento, sem o planejamento do poder público. E, embora tudo isso tenha gerado demanda de mobilidade urbana, o investimento na eficiência dessa mobilidade nunca acompanhou a demanda no mesmo ritmo, explica o Doutor em Geografia Rodrigo Cocco em sua tese “Transporte Público e Mobilidade Urbana: Contradições entre políticas públicas e demandas por mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis”.

Os afunilamentos viários causados pela geografia da Capital somados ao seu crescimento desordenado são a receita para “Filanópolis” — como a cidade é ironicamente chamada. O resultado é que hoje, passou-se a pensar a mobilidade através de soluções milagrosas, que podem até amenizar, mas não resolvem o problema estrutural da cidade.

A pauta da mobilidade urbana é sempre cobrada, sempre prometida e, quase sempre, abandonada. Cesar Souza Júnior (PSD), prefeito que antecedeu o atual mandatário Gean Loureiro (DEM), anunciou em 2014 um corredor exclusivo para ônibus entre a Beira-Mar Norte e a Rua Deputado Edu Vieira, nas proximidades da UFSC, inexistente até hoje. Dário Berger (MDB), atual senador de Santa Catarina e prefeito de Florianópolis entre 2005 e 2012, inaugurou obras como o elevado Rita Maria e a arborização da Beira-Mar Norte, e chegou a licitar um projeto de viabilidade econômica para a construção de um metrô de superfície que passasse pela Ponte Hercílio Luz, conforme informou em 2011 ao portal Bicicleta na Rua. Como estes, diversos outros projetos “revolucionários” sequer saíram (ou entraram oficialmente) do papel.

Pelo ar: o teleférico

Em 2013, Florianópolis já tinha problemas de mobilidade que podiam ser comparados aos engarrafamentos televisionados de metrópoles como São Paulo. Percorrer trechos curtos na área central da cidade tomavam vários minutos e a ligação entre diferentes áreas no entorno do Maciço do Morro da Cruz ainda era difícil por conta do trânsito. Na época, a prefeitura tinha na manga dois projetos que poderiam resolver esta situação.

O primeiro era um corredor exclusivo de ônibus, no chamado Anel Viário, que interligaria a região central aos bairros no entorno da UFSC. Já o segundo, um pouco menos convencional, mas que já vinha sendo discutido na cidade desde o final dos anos 1980, seria a ligação entre as duas regiões da cidade através de um teleférico. O projeto tinha como inspiração o sistema implementado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o primeiro sistema de transporte de massas por meio de cabos do Brasil — que operaria por menos de cinco anos, até ser desativado em 2016.

Na época, a administração do prefeito Cesar Souza Junior se gabava das estimativas de custo para implementação do projeto em Florianópolis, calculado em R$ 64 milhões, frente aos R$ 210 milhões gastos no sistema carioca. O governo prometeu que o teleférico sairia do papel, primeiro em 2016, depois em 2017 e a prefeitura chegou até a prever datas de lançamento de licitações. As expectativas para criação do novo modal eram altas e contavam ainda com a implementação do Anel Viário na cidade. Seriam duas maneiras de se interligar as duas regiões centrais da Capital — o Centro, região comercial da cidade, e o Morro da Cruz, área habitacional.

Teleférico no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, usado como exemplo para implementação do sistema em Florianópolis. Crédito: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Na época, a RBS entrevistou moradores do Maciço do Morro da Cruz para saber das expectativas com a possível implementação do teleférico. As respostas não eram animadoras. “Seria ótimo. Imagina, ir de bonde até o Centro. Mas há anos que eles prometem estas coisas. Eu duvido, meu filho”, afirmou à época Rosa Maria Alves. O ceticismo de dona Rosa se provaria certeiro. Depois de anos de promessas e adiamentos, o projeto morreu na praia. O motivo: percebeu-se que o custo de operação do equipamento resultaria em uma passagem cara demais, algo que já vinha sendo apontado por especialistas.

Oito anos depois, a situação da mobilidade na Capital só se agravou. O teleférico saiu dos planos da prefeitura e o Anel Viário teve menos de um quilômetro de obras concluídas, sem nenhum trecho operante. As obras que deveriam estar prontas na região da UFSC, estão sem previsão de término e as ações em outros pontos não têm qualquer estimativa de início das operações. Para além das promessas, a situação permanece basicamente a mesma.

Pelo mar: as balsas

Não dá para falar de soluções para a mobilidade urbana da Capital sem falar do transporte marítimo. Mesmo que, como predito no próprio Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (Plamus), a implantação de um sistema aquaviário não se traduza em uma melhora significativa da mobilidade urbana, a instalação do modal é tão simbólica quanto era a reabertura da Ponte Hercílio Luz — embora bem menos custosa que a multimilionária reforma durante décadas do cartão postal do município.

Parece óbvio que uma cidade insular possua transporte aquaviário — especialmente com a característica de águas geralmente calmas e seguras como as das baías Norte e Sul. Mas depois do aterro da região central (para quem não sabe, o mar ia até a beira do Mercado Público) para a construção de rodovias e a perda do status de cidade portuária, Florianópolis deixou o transporte marítimo apenas para o turismo e a pesca.

Até que em 1993, a Lei nº 4158/1993 instituiu a criação do sistema de transporte coletivo hidroviário no município de Florianópolis. Mesmo com a lei, não houve acordo com empresas para a prestação do serviço, deixando o trapiche da Baía Sul — feito especialmente para o transporte hidroviário — abandonado junto com o projeto. Em 1996, o então prefeito Sérgio Grando (antigo PPS) propôs um modelo de transporte aquaviário entre Canasvieiras e o Centro, que acabou não dando certo.

Em 2000, foi encomendado um estudo de viabilidade técnica e econômica-financeira da implantação do sistema de transporte marítimo. Segundo documento da Secretaria de Estado da Infra-Estrutura e do Departamento de Transportes e Terminais (Deter), o prazo de execução do estudo era de cinco meses, com o valor de contrato de R$ 214 mil. O estudo estimou que o custo de implantação seria de, no mínimo, R$ 12 milhões para a construção dos terminais/trapiches, e de R$ 18 a 22 milhões para compra dos barcos. Pelo alto custo, o projeto não foi para frente.

Visão simplificada do atracadouro em São José, projetado no Plamus para o transporte aquaviário. O sistema ocuparia a parte inicial da Beira-Mar de São José, entre os bairros da Praia Comprida e Campinas. Crédito: Plamus (Divulgação)

Sete anos depois, em 2007, foi Norberto Stroisch Filho, na época Secretário de Transportes e Terminais de Florianópolis, quem garantiu que a prefeitura estaria negociando com empreendedores interessados em investir no setor. Ele acreditava ter uma resposta “nos próximos meses”, segundo reportagem do A Notícia. Mas depois de feita uma avaliação técnica para a implantação das rotas, o projeto não andou mais por falta de recursos para o lançamento de um edital de execução de projetos.

Mesmo sem formalização, as rotas propostas desde aquela época seguem um padrão: o transporte conectaria Biguaçu ao Norte da Ilha, Palhoça ao Sul, e São José ao Centro. Como o sistema não seria uma implementação municipal, mas regional, o envolvimento deve ser do governo do estado, através do Deter. É ele quem deve articular as demandas entre as prefeituras, bem como a distribuição de custos e as obras necessárias.

Desde então, as várias etapas burocráticas de instalação do transporte marítimo pareceram estar no caminho das “boas intenções” de políticos e gestores. Em 2008, não se podia ter uma licitação para escolha da empresa sem que antes houvesse um projeto aprovado pela Secretaria de Estado da Infraestrutura. Essa, por sua vez, só poderia aprovar uma linha piloto se tivesse os levantamentos de custos e necessidades para a implantação do sistema. Além disso, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) precisaria aprovar três licenças ambientais ao empreendimento: a Licença Prévia, a de Instalação e a de Operação. Para finalizar, a Marinha também precisaria dar sinal verde para que o sistema entrasse em operação — visto que áreas de até 33 metros de distância da preamar (ponto de nível máximo da maré, definida no ano de 1831) pertencem a ela.

A questão é que um transporte aquaviário não se resume a colocar os barcos na água e cobrar passagem de quem o utiliza. É necessária infraestrutura terrestre, para controle das embarcações e o acesso das pessoas ao sistema, que precisa estar conectado com outros modais, como estacionamentos, ônibus ou bicicletas de aluguel, para garantir a fluidez de deslocamento. E no mar, são necessários molhes, quebra-mares e trapiches. Em alguns locais, a instalação só seria possível se houvesse dragagem da área, como em Biguaçu.

A última década tem sido de mais promessas e inícios de projetos que não se concretizam e são engavetados nos diversos departamentos, secretarias e instituições dos quais o sistema aquaviário depende. Em 2012, os prefeitos de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu assinaram um termo de parceria e cooperação técnica para a implantação do sistema. Em 2013, houve um programa de teste da empresa AcquaBus, que faria o trajeto experimental do bairro Abraão até o centro da Capital. Segundo nota da Prefeitura de Florianópolis, só seria necessária a instalação de trapiches flutuantes para o início das operações. Mas não há registros na prefeitura sobre qual a conclusão do projeto experimental.

Em 2017, o IMA concedeu a Licença Ambiental Prévia para o projeto e as coisas pareciam andar em ritmo mais acelerado. No ano seguinte, houve novos testes, desta vez em parceria com a empresa catarinense BBarcos, para o uso de catamarãs nas rotas marítimas. O experimento comprovou a redução de tempo na travessia ilha-continente. Mas em 2019, houve nova paralisação por falta de licenças ambientais para a construção do terminal de São José e da reforma do trapiche na Capital.

No mesmo ano, uma parceria foi firmada entre a Secretaria de Estado da Infraestrutura e Mobilidade do Estado (SIE) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Através dela um novo projeto começou a ser desenhado para o transporte marítimo. As rotas Barreiros-Centro, Beira-mar de São José-Centro e Palhoça-Tapera foram projetadas como as mais estáveis financeiramente, pela projeção alta de demanda. A previsão é que sejam usados ferry boats, catamarãs e balsas nas rotas.

Rotas de Transporte marítimo simuladas no Plamus. Destas, as mais recorrentes são as que conectam as cidades de São José, Palhoça e Biguaçu ao Centro de Florianópolis (AQ 5, AQ1 e AQ4, respectivamente). Crédito: Plamus (Divulgação)

Em entrevista ao telejornal Bom Dia Santa Catarina, em janeiro de 2021, o atual secretário da SIE, Thiago Vieira, pontuou que a parceria conseguiu “consolidar uma série de informações que estavam esparsas em projetos anteriores”. Também anunciou que a previsão é a de que o projeto de implementação comece ainda em 2022.

Mesmo assim, o preço da passagem é uma das questões que tornam o transporte marítimo, mesmo se implementado, uma realidade ainda distante. A SIE anunciou que a tarifa deverá custar R$ 6,50 para pedestres, motos e bicicletas, contra os R$ 4,50 atuais dos ônibus da Capital. “Os números são difíceis de alcançar, mas são possíveis”, afirmou o Secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano de Florianópolis, Michel Mittmann, em entrevista ao Zero em agosto passado.

A integração modal é outro gargalo, uma vez que precisam ser criadas conexões para passageiros saídos do transporte aquaviário aos Terminais de Integração da Capital e outros pontos da mobilidade urbana. “A gente acredita que esse tipo de projeto possa envolver não só o transporte marítimo, mas como ele se correlaciona com o transporte coletivo em ônibus, com áreas de estacionamento e outras estratégias”, confirmou Michel.

Pela terra: o BRT

A região central de Florianópolis se forma em torno do Morro da Cruz. É ali também que boa parte do trânsito da Capital se concentra. Diversas soluções já foram debatidas para resolver os problemas na região, desde obras efetivadas, como a construção do túnel Antonieta de Barros nos anos 1990, até ideias que nunca deixaram o papel, como a implantação do teleférico, mencionado no início da reportagem.

Foi no entorno do mesmo morro, de pouco mais de 280 metros de altura, que se pensou a criação de uma via rápida, que faria com que o fluxo do Centro e da região do bairro da Trindade pudesse confluir de maneira harmônica. Era o projeto do Anel Viário de Florianópolis. Pensado primeiramente como uma solução para os veículos em geral, no início dos anos 2010 passou também a ser uma opção para o transporte público por meio do BRT.

Mudanças previstas pelo Plamus na SC-401 nunca saíram do papel. Crédito: Plamus (Divulgação)

O Bus Rapid Transit, algo como Ônibus de Trânsito Rápido, é como são chamados os sistemas de ônibus que emprestam parte da lógica dos meios sobre trilhos, sem deixar para trás os dinâmicos e econômicos pneus. O BRT traz consigo faixas exclusivas para o trânsito dos veículos, cobrança de passagens nas estações e ônibus muitas vezes maiores do que os convencionais. Seria essa a solução que integraria não somente o Centro da Capital com o seu bairro vizinho populoso, mas também outras regiões da área metropolitana. Tudo estava traçado no Plamus. Apresentado ainda em 2015, ele compilava pontos que solucionariam os problemas de mobilidade da Capital catarinense, integrando por meio de pistas largas, calçadas espaçosas e um robusto sistema de BRT em diferentes regiões de Florianópolis e das cidades do entorno.

Mas, desde que foi apresentado em 2015, menos de um quilômetro de faixas exclusivas foram construídas. A previsão, que era ter o BRT operando em seu primeiro trecho até 2018, foi adiada por três anos até a situação atual, onde simplesmente não há previsão alguma. Um dos principais entraves foi mais um (antigo) problema de infraestrutura da Capital, a duplicação da Rua Deputado Antônio Edu Vieira, no entorno do campus da UFSC. Segundo nota da PMF divulgada ao Zero, os valores pagos pela Prefeitura pelos trabalhos realizados na rua já totalizam R$ 3,9 milhões. A obra já era debatida desde meados dos anos 1990, mas somente em 2016 a universidade e prefeitura entraram em um acordo para a cessão do terreno à cidade.

Desde então, três empreiteiras, duas grandes pausas e um bocado de desentendimentos entre UFSC e prefeitura marcaram a obra. A atual previsão de entrega é para o início de 2022. Nesse meio tempo, outros pontos do Anel Viário, como a faixa exclusiva para os ônibus na Avenida Beira-Mar Norte e o alargamento da Edu Vieira no Bairro do Pantanal, não tiveram nem previsão de início.

Por baixo de terra e mar: os túneis

Para desafogar o trânsito de entrada e saída da Ilha, foi um túnel subaquático, e não escavado, que foi sugerido (por três vezes entre 2009 e 2012) como a quarta ligação entre a parte insular e continental de Florianópolis. A primeira vez foi pela vontade do então prefeito Dário, que investiu na ideia do Eixo Norte, uma ligação entre a Beira-Mar Continental e a Beira-Mar Norte através de um túnel subaquático imerso. A técnica é usada em pouco mais de 100 túneis pelo mundo, a maioria nos países nórdicos europeus, e é inédita no Brasil até hoje. Na época, o prefeito chegou a se encontrar com um representante da Cowi Tunnel, empresa dinamarquesa de construção de túneis de imersão, para conhecer mais sobre o processo. O Extra, do Grupo Globo, noticiou à época que o orçamento total das obras do túnel e do entorno foi calculado em R$ 590 milhões. A intenção era que o projeto fosse contemplado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal em 2010, o que não aconteceu.

O túnel Eixo Norte, proposto pelo então perfeito Dário Berger, seria construído onde se encontra a linha azul no mapa, conectando, em uma ponta, a Beira-Mar Continental, e na outra, a Beira-Mar Norte. Créditos: Google My Maps.

Outros dois projetos de túneis subaquáticos foram sugeridos ao governo do Estado em 2012. Em um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) aberto pelo governo, foram entregues 12 projetos para uma quarta ligação entre continente e ilha — dois deles planejavam a ligação subaquática. O primeiro era da construtora Queiroz Galvão, que conectaria a Beira-Mar Continental e a Beira-Mar Norte com dois túneis imersos, de mão única. O orçamento da obra era de R$ 2 bilhões. Já o segundo projeto previa uma conexão entre Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, e Barreiros, em São José. Foi proposto pela engenheira Jaqueline Carvalho Ferreira, que o desenvolveu no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Engenharia Civil pela UFSC. O projeto era mais ousado, envolvendo a criação de duas ilhas artificiais ligadas à Ilha e ao continente por duas pontes e conectadas entre si por um túnel de imersão. O orçamento era de R$ 2,6 bilhões.

Nem o túnel de Jaqueline, nem o de Queiroz Galvão, ou nenhum dos outros 10 projetos foram adiante para a etapa de licitação. Apesar de terem sido selecionadas duas iniciativas de construção de uma quarta ponte, para o então Secretário de Planejamento, Murilo Flores, os projetos não foram para frente porque os custos, orçados em cerca de R$ 1,1 bilhão, seriam muito elevados para o Estado, como noticiou a RBS em 2014. O governo passou então a esperar que a resolução viesse de um estudo que seria lançado mais tarde naquele ano — o Plamus — que, afinal, apontou que a solução mais viável para a mobilidade urbana da Capital seria o BRT.

O mais recente megaprojeto de infraestrutura em Florianópolis, anunciado em setembro deste ano, também envolve a construção de um túnel, mas, desta vez, escavado. O projeto da prefeitura é ligar o Itacorubi ao Canto dos Araçás, na Lagoa da Conceição, através de 1,2 quilômetro por entre o Morro da Lagoa. A ideia é que a Rodovia Ademar Gonzaga, que hoje é o único acesso da região central à Lagoa, passe a ser de mão única no sentido Itacorubi-Lagoa, enquanto o túnel seria a via de acesso no sentido Lagoa-Itacorubi. O acesso também poderia ser utilizado por pedestres e ciclistas. Orçada em R$ 150 milhões, a Prefeitura da Capital anunciou que os recursos para a obra já estão assegurados, e deverão vir de um financiamento acordado com o Banco do Brasil.

Se os prazos estipulados forem respeitados, a previsão do secretário de Infraestrutura, Valter Gallina, é que a licença ambiental do IMA esteja pronta já em março de 2022, quando poderá ser aberta a licitação para a contratação da empresa que executará a obra, prevista para durar entre 18 e 24 meses. Ainda segundo a PMF, o lançamento de licitação para a elaboração do projeto executivo deve ocorrer ainda em setembro, mas até o fechamento da reportagem isso não havia acontecido.

Mas a pressa da Prefeitura contrasta com o posicionamento dos moradores. Para Bruno Negri, presidente da Associação de Moradores da Lagoa da Conceição (AMOLA), o túnel seria uma obra interessante, porém, “não faz o menor sentido no ponto de vista de prioridades da comunidade.” Bruno pontua que não houve diálogo da Prefeitura com os moradores e que problemas como saneamento básico, mobilidade de vias da região e revitalização de espaços públicos têm caráter mais urgente do que o túnel anunciado.

Questionada pelo Zero, a PMF respondeu que nas pesquisas de opinião, o principal problema da cidade é a mobilidade. “Quanto ao que diz respeito à Secretaria de Infraestrutura, cabe informar que a Praça Bento Silvério [no centrinho da Lago] já foi revitalizada, e o Casarão [destelhado na tempestade de janeiro de 2019], além do que o planejamento é que a nova ponte [que faz a ligação com a Av. das Rendeiras] tenha um Boulevard e uma área de lazer”. Além disso, pontuou que audiências públicas, onde a população será ouvida, são realizadas na fase de Licenciamento Ambiental. “E os maiores gargalos de congestionamento estão sendo solucionados. Começamos com a terceira faixa na SC-404 [que liga os bairros Itacorubi e Lagoa da Conceição], que sequer é estrada municipal. Nesta obra, consultamos os especialistas em tráfego, e foi bom para todos”, afirmou na nota. Contudo, a Avenida das Rendeiras, principal via de acesso às praias da Joaquina, Mole, da Galheta e da Barra da Lagoa, segue em pista simples — uma faixa para ir e outra para voltar. No verão, os “tradicionais” engarrafamentos, do Canal da Barra até o Itacorubi, devem continuar, já que o trânsito afunila na famosa avenida, pois de um lado está a lagoa e do outro estão as dunas.

Dá para resolver?

Mobilidade urbana nunca tem uma solução simples. As diferentes características da formação urbanística das cidades está relacionada à maneira como a mobilidade é pensada e também em como as pessoas enxergam a mobilidade onde moram. No Brasil, o crescimento muitas vezes desordenado de diferentes cidades e a não priorização do transporte público trouxeram, como consequência natural, uma inclinação para o uso de meios de transporte individuais, como carros e motos.

“Existem várias soluções [para a mobilidade urbana] pelo mundo, e cada cidade busca a sua. Nós podemos, num primeiro passo, tentar reduzir o uso de veículos privados. Esse é um primeiro desafio que várias cidades enfrentam”, explicou Augusto de Mendonça Brasil, professor da UnB, em apresentação na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2016. Augusto explicava que a priorização do transporte privado na sociedade vai além da comodidade, integrando uma série de fatores, como sensação de controle, status social e, claro, economia de tempo em comparação a um transporte público deficitário.

Desta forma, ele apontava que o investimento na melhoria do transporte público deveria vir junto com diferentes estratégias para integração com o transporte privado, o que permitiria que meios como metrôs, trens e BRTs fossem usados por mais passageiros. Essa realidade está, em parte, ligada com os projetos apresentados nas últimas décadas em Florianópolis. Tanto o BRT, quanto as balsas ou o teleférico têm em comum a ideia de priorização do transporte público e conexão com outros modais. Na Capital, porém, projetos é que não faltam. O problema aqui parece ser o ponto em que eles são tirados do papel e começam a fazer parte, de fato, da realidade dos moradores.

--

--

Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC