Tempestades e altas temperaturas estragam a primavera em Florianópolis

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6 min readDec 13, 2023

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Com eventos climáticos intensos mais frequentes, preparar as cidades para o futuro é o caminho apontado por especialistas

Marta Maria Machado e Thaís Martins

Sob a influência do fenômeno El Niño — que aquece águas do Oceano Pacífico influenciando ventos e chuvas –, e em meio a sinais alarmantes do aquecimento global, a cidade enfrenta uma série de desafios climáticos. A capital catarinense enfrenta mais uma primavera fora do comum, com algumas semanas marcando temperaturas sucessivas acima dos 30ºC, e outras com volume de chuvas muito acima das médias históricas. Os dados climáticos apontam que, em outubro, as chuvas dobraram a média mensal, atingindo 419 mm. No mesmo período do ano passado, o total acumulado foi de 209,8 mm, segundo dados da Defesa Civil de Santa Catarina.

Foram registrados cinco tornados no estado em novembro, causados pelo choque entre massas quentes e frias. Só no dia 28, em Florianópolis, choveu 185 milímetros na cidade. Isso eleva o total de chuvas no último mês para 444 milímetros, mais que o triplo da média histórica, que é de 129 milímetros. Em Florianópolis, os efeitos são sentidos especialmente nos bairros do Norte e Sul da Ilha, onde pontos de alagamento são frequentes. Açores, Rio Tavares, Vargem Pequena, Rio Vermelho e Santinho registraram ruas alagadas. Mas não é apenas nos extremos da capital que há riscos. Comerciantes do Centro, como os da rua Francisco Tolentino, convivem com a constante ameaça de inundações em dias chuvosos. “É muito natural quando chove, a água se represar e alagar tudo isso aqui. Muito comum. Desde 1970 que a gente está aqui e ela sempre represa”, comenta Zulmar Rachadel, proprietário de restaurante.

Na primeira semana de outubro, a Defesa Civil registrou pontos de alagamento em 11 ruas de três bairros: cinco no Rio Vermelho, duas no Campeche e quatro nos Ingleses. Além disso, foi registrada também a queda de um muro no Continente e de outro no Maciço do Morro da Cruz. Conforme dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), só na região Sul do país, contabiliza-se um total de 763 ocorrências registradas, o que implica na saída de 188 mil pessoas de suas residências — entre desabrigados ou desalojados –, e 51 óbitos no período de 1º de junho a 20 de outubro de 2023. Isso equivale à população de Balneário Camboriú e Caçador juntas. Até o fechamento desta reportagem, em Santa Catarina, foram registradas três mortes decorrentes deste fenômeno.

Recomendações e Adaptações

O Coronel Cesar de Assumpção Nunes, diretor de gestão de desastres da Secretaria de Estado da Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina, afirma que é necessário estabelecer padrões de prevenção e proteção nesses casos. Para ele, “fazer com que se tenha um plano de contingência testado, que os exercícios de evacuação sejam feitos, que a simulações sejam feitas, que as práticas sejam feitas. Isso é a meta da Defesa Civil em poder trabalhar dessa forma preventiva, para quando a gente tiver situações adversas”.

A Defesa Civil do estado comunica eventos meteorológicos e situações de risco por SMS, pelo site e pelas redes sociais. A instituição emite recomendações para lidar com temporais e dias de temperaturas elevadas, destacando a importância de permanecer em locais seguros, evitar áreas suscetíveis a alagamentos e manter-se hidratado. Para o bioclimatologista, Roberto Lamberts, é imperativo pensar em soluções sustentáveis e preparar-se para eventos climáticos extremos, pois prevê “eventos extremos mais intensos com o crescimento do aquecimento global. É preocupante e a gente precisa começar a agir logo para melhorar a infraestrutura do que vem por aí”.

Para isso, a Defesa Civil de todo o Brasil prepara Planos de Contingência (Placon) para evitar agravamentos decorrentes de desastres naturais. Os Planos de Contingência de Proteção e Defesa Civil devem estar de acordo com a Lei 12.608/2012, que institui uma Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.

É competência dos municípios a elaboração do Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil, além da realização de audiências públicas e simulados. De acordo com a lei, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec) é responsável por acompanhar e fiscalizar a aplicação dos recursos do Plano de Contingência. Em Florianópolis, o Plano de Contingência está em fase de readaptação e deve estar finalizado no início de dezembro.

Entre as principais etapas da construção de um Plano de Contingência, estão ações de prevenção, mitigação (redução de riscos), preparação, resposta e recuperação. Os planejamentos exigem abordagem sistêmica, em conjunto com outros tipos de ação, jamais de maneira isolada. Ou seja, mesmo em momentos em que o Plano de Contingência prevê os protocolos de resposta a uma enchente, por exemplo, ainda é preciso atender aos protocolos de redução de riscos e de prevenção de novos desastres.

Florianópolis, assim como outras partes do mundo, enfrenta uma nova realidade climática, onde a adaptação e a redução de riscos se tornam fundamentais para lidar com os desafios iminentes. “Quando projetamos um edifício ele deve durar em média 50 anos, na sua vida útil, e daqui 50 anos ele vai ver um clima diferente. Se não prepararmos a cidade para aguentar isto veremos mais desastres,” explica Roberto Lamberts.

“O nosso estado já é bastante atingido por enchentes e se a gente pensar que isso vai aumentar, causa preocupação o que vem por aí e causa preocupação também a ocupação de regiões de encosta”, alerta o bioclimatologista. Roberto ainda destaca que “precisamos começar a prever este futuro.”

El Niño

O fenômeno natural ocorre quando as águas do oceano Pacífico equatorial ficam mais quentes do que o normal. Isso afeta a circulação dos ventos e das chuvas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. No Sul, o El Niño aumenta as chuvas, pois os ventos úmidos que saem da Amazônia são desviados para a região. Isso provoca enchentes, deslizamentos de terra e granizo.

O El Niño acontece de forma irregular, mas tem se tornado mais frequente e intenso por causa do aquecimento global, que é o aumento na temperatura dos oceanos e da atmosfera causado pela influência humana.

Ao longo dos anos, as temperaturas apresentaram aumento de até 1,5 ºC em Florianópolis. (FONTE: Berkeley Earth — https://berkeleyearth.org/)

“A gente tem o El Niño com intensidades fraca, moderada e forte. Em outros anos que teve muita chuva no estado e muito calor, 2015, 2013, 2011, 2008, a gente estava falando do El Niño de testagem fraca, moderada. Esse agora é de testagem moderada a forte, então o prejuízo material é o que é mais problemático, porém, o que mais causa problemas é a perda de vidas humanas”, afirma o meteorologista, Marcelo Martins, que atua no Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram) vinculado à Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

O fenômeno amplifica a frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, fazendo que a previsão dos meteorologistas indique que esse padrão de calor intenso e chuvas abundantes deve persistir até o próximo ano, alcançando seu ápice no último trimestre. Essas condições estão diretamente ligadas ao aquecimento do oceano, que se encontra entre 1,1°C e 1,6ºC acima da média, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

“Esses acontecimentos servem como um aviso meteorológico, justamente para alertar a população, evitar com que ela vá para uma área de risco ou se coloque em uma situação de risco”, destaca o meteorologista Marcelo. O El Niño pode permanecer até março de 2024 e tem entre 75% e 80% de chance de atingir intensidade forte, de acordo com a Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA).

Questão mundial

A situação local reflete parte do panorama global de mudanças climáticas acentuadas, com temperaturas extremas e chuvas intensas se tornando habituais em localidades onde esses eventos eram incomuns. De acordo com o Serviço de Mudança Climática Copernicus, em 16 de julho a temperatura máxima na China chegou a 52,2 °C e o mês foi o mais quente desde 1940. Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil estima-se que, até o final do século, choverá 30% a mais, segundo relatório de Projeções de Mudanças Climáticas no Brasil do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).

O relatório climático global aponta para uma tendência de ondas de calor em múltiplas regiões do Hemisfério Norte, com temperaturas acima da média em vários países sul-americanos. As temperaturas recordes nas superfícies do oceano e um desenvolvimento contínuo das condições de El Niño no Pacífico Oriental contribuem para essas anomalias climáticas. A situação também desencadeou eventos extremos, como ondas de calor na América do Sul e anormalidades no gelo marinho na Antártica.

Neste contexto, 2023 será o ano mais quente em 125 mil anos, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus — órgão da União Europeia –, responsável por prestar informações sobre as alterações climáticas na Europa e no resto do mundo. Outubro foi, ainda, o mês mais quente da história com a temperatura da superfície em 15,30 ºC. Um aumento de 0,85 ºC acima da média entre os anos de 1991 e 2020.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC