Uma longa Quarta-Feira de Cinzas: escolas de samba vislumbram retorno do Carnaval em 2022

Após quase dois anos paradas, escolas da Grande Florianópolis retomam atividades para as festividades carnavalescas

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7 min readDec 17, 2021

17/12/2021 | Por Gabriel Padilha e Suzan Rodrigues

Bateria da Consulado do Samba durante ensaio geral realizado na Arena Consulado. Foto: Divulgação Consulado do Samba/ Christian Ortolani

“É um enredo que levanta a bandeira da alegria, o que estamos precisando. De felicidade, de riso espontâneo. E a felicidade nos enche o coração porque o Carnaval está de volta”. Assim Jaime Cezário, carnavalesco da União da Ilha da Magia, define o próximo desfile da escola de samba da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Nesta edição, eles homenageiam o comunicador e apresentador Chacrinha, também conhecido como “Papa da alegria”. Após quase dois anos sem a festa, as comunidades envolvidas com o Carnaval na capital catarinense retornam para produzir o evento de 2022, que será organizado pela Prefeitura Municipal, mas ainda se encontra em um momento decisivo sobre sua confirmação ou não.

O Carnaval, que sempre termina na Quarta-feira de Cinzas, para as escolas inicia na quinta-feira seguinte, quando começam a pensar no desfile do próximo ano. Semanas depois das festividades de 2020, mais precisamente no dia 12 de março, Florianópolis registrava os primeiros casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, doença que já tomava proporções de pandemia. Com isso, a Capital cancelou o evento em 2021 e, apenas em outubro deste ano, autoridades e entidades carnavalescas anunciaram o seu retorno.

O período sem o desfile faz parte do samba que a Consulado, escola do Saco dos Limões, pretende levar à passarela. A partir do enredo “Ziriguidum: A Utopia do Carnaval”, Conrado Laurindo, um dos compositores, define como foi contar o passado recente na letra do samba-enredo: “Não foi difícil, mas também não foi fácil contextualizar os tempos sombrios, quando o Carnaval e as festividades foram resguardadas. E agora, aflora e renasce”.

Para ouvir o samba-enredo completo da Consulado acesse:

Compositores: Casinha, Conrado Laurindo, Edson do Tamborim, Fred Inspiração, Jacson do Cavaco, Jean Leiria, João Bello e Ricardo Martins

Inspiradas pelo samba-enredo, as alas foram intituladas de “O último baile dos profetas do fim do mundo”, “Mensageiros do caos”, “O enterro da tristeza”, “O Carnaval da estrelas”, “Euforia do entrudo popular”, “Apesar de tudo, a cura vem do pandeiro”. As cores se destacam nas fantasias que começam a ser desenhadas, produzidas e comercializadas no valor de R$100,00 aos integrantes da Consulado do Samba e a quem deseja desfilar. Além da venda das fantasias, algumas escolas buscaram alternativas para arrecadar fundos, entre elas a realização de eventos, como rodas de samba e feijoadas, criação de quadro de sócios, para custear desde a produção para o próximo Carnaval até as despesas básicas de suas quadras.

Desenho das fantasias que serão utilizadas pelas alas na passarela Nego Quirido produzidos por Raphael Soares, carnavalesco da Consulado do Samba. Imagem: Divulgação/ Consulado do Samba.

A questão financeira é definida pelas escolas como uma das mais desafiadoras para o próximo desfile, depois de tanto tempo sem atividades. Para isso, elas contam com o apoio financeiro realizado a cada edição do evento pelas prefeituras das cidades que possuem escolas registradas. Em 2022, São José e Palhoça destinam recursos à Jardim das Palmeiras e à Nação Guarani, respectivamente. Já as oito escolas de Florianópolis tiveram acesso a um edital, encerrado em 31 de outubro, que disponibilizou R$ 450 mil para projetos carnavalescos. O documento estipulava pagamento em cinco parcelas, sendo a primeira em outubro, no valor de R$100 mil. Porém, até o momento da publicação desta reportagem, não houve nenhum repasse, incluindo os meses de novembro e dezembro, que seriam do mesmo valor. Em contato com a Secretaria, essa reportagem não obteve resposta sobre os atrasos.

Outro desafio é a pandemia, que exige cuidados dos integrantes das escolas, mesmo em um momento de consolidação da vacinação em Florianópolis. A Capital já possui mais de 100% da população adulta com a imunização completa — de acordo com estimativas do Censo do IBGE. Porém, a cidade também encontra-se em risco moderado, com 14 pessoas internadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e mais de 370 casos ativos. Com isso, as escolas realizam suas atividades seguindo protocolos sanitários próprios, além daqueles decretados pelos governos estadual e municipal. Entre as ações definidas estão o uso de máscaras, redução de público em ambientes fechados, ensaios ao ar livre e a exigência da vacinação. Mas ainda assim há incerteza sobre o comportamento do coronavírus nos próximos meses — principalmente em função de suas variantes mais recentes. “Retomando os eventos de Carnaval estamos sentindo o gostinho da folia, porém, com o pé atrás ainda em relação à pandemia. O vírus está aí e vamos ter que conviver com ele, a única salvação é a vacina em dia”, afirma Camila Ventura, rainha de bateria da Unidos da Coloninha.

Camila Ventura durante o desfile das escolas de samba de 2020, quando a Coloninha sagrou-se campeã. Foto: Arquivo Camila Ventura/ Fotógrafos Daniela Passoldi e Antônio Husadel

Além da preocupação com a saúde neste reencontro, os foliões também lidam com o luto coletivo. ”Infelizmente, tivemos perdas de componentes, pessoas que tinham história na escola, o que nos deixou enlutados por muito tempo, mas tentamos fazer ações para não deixar o samba morrer”, relata Jéssica Farias, diretora administrativa da escola Os Protegidos da Princesa. O retorno à passarela Nego Quirido também é uma forma de respeito e reconhecimento aos integrantes que foram vitimados pela pandemia. “Todos que se foram levaram o Carnaval no coração e é principalmente por eles que estamos aqui hoje”, lembra Renann Inácio, presidente da escola de samba Jardim das Palmeiras.

A pandemia também trouxe dificuldades financeiras para as comunidades envolvidas com o samba, fazendo com que as iniciativas sociais realizadas pelas escolas em outros anos se tornassem ainda mais necessárias. Um exemplo disso foi a arrecadação por parte da Nação Guarani, em Palhoça, que garantiu a doação de mais de 10 toneladas de alimentos para comunidades locais. Em Florianópolis, no bairro da Tapera e proximidades, a Acadêmicos do Sul da Ilha engajou suas costureiras na confecção de máscaras e também fez parcerias com mercados e entidades para a distribuição de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade.

Carnaval é sonho ou já é realidade?

Ainda que os preparativos estejam a todo vapor, incertezas estão presentes nas reuniões, ensaios e eventos realizados pelas escolas. Sem previsão de como estará o cenário pandêmico nos próximos meses, tanto o Governo do Estado, como a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) trabalham com a possibilidade de que o evento possa ser cancelado a qualquer momento.

Para que o Carnaval aconteça, entre as ações da PMF que aguardam decisão, está a necessidade que o público que vai prestigiar e participar do desfile comprove a imunização com as duas doses de vacina contra Covid-19.

É preciso ter educação, bom senso e disciplina.

Para o infectologista Martoni Moura e Silva, não há outra saída além da aceleração da vacinação, não apenas na Grande Florianópolis ou em Santa Catarina, mas em todo o Brasil. O especialista alerta que ainda estamos vivendo a pandemia e que os imunizantes são as únicas ferramentas capazes de barrar o vírus e o desenvolvimento de casos graves neste momento. “É preciso ter educação, bom senso e disciplina”, atenta o especialista.

Nas últimas semanas, a variante Ômicron chegou ao Brasil, a nova cepa do coronavírus possui 50 mutações e pode ser até 75% mais transmissível que as demais. Não há ainda registros de mortes causadas pela nova variante no Brasil, nem se sabe qual o nível de eficácia das vacinas em relação a ela. Para Martoni, a cautela é indispensável, mas não há motivos para pânico: mantendo os cuidados de proteção individual aliados à vacinação, é possível vencer esta nova ameaça.

Apesar das discussões a respeito da realização ou não das festividades do Carnaval em todo o Brasil, em Florianópolis, segundo o especialista, os preparativos podem ser mantidos, sem deixarem de priorizar a proteção dos envolvidos.

Samba, festa e esperança

“A falta de Carnaval foi apenas um detalhe, a gente estava muito mais preocupado com o todo”, afirma Fernando Augusto, diretor de carnaval da Embaixada Copa Lord. Ciente da necessidade de se preservar vidas em um cenário sem vacinas e com casos em alta, como foi o ano de 2020, ele conta que, aos poucos, a rotina de produção está sendo retomada, com a alegria de retornar para a passarela, sem esquecer das dificuldades enfrentadas nesses quase dois anos de pandemia.

Rychard e sua parceira Ellen serão o casal principal de porta bandeira e mestre-sala em 2022 pela Dascuia. Foto: Arquivo/ Rychard Vieira

Mas o Carnaval 2022 não será apenas de superação de uma crise sanitária e das dificuldades impostas por ela, o evento traz também o desejo de concretização de sonhos, de quem há muito tempo batalha para que os encantos da passarela continuem a acontecer. Esse é o caso de Rychard Vieira, mestre-sala há mais de 18 anos, que integra a escola Dascuia desde que foi fundada. Na próxima edição, ele viverá um gostinho especial, após quase duas décadas de dedicação ao Carnaval: Rychard alcançou o nível mais alto na carreira de um mestre-sala, e, junto à parceira, vão carregar o pavilhão da Dascuia. “Estou ansioso, apreensivo, empolgado e contente, pois estou ensaiando todos os dias e me dedicando ao máximo para abrilhantar a passarela, sei que será um Carnaval totalmente diferente”, diz o integrante da verde e rosa.

Mesmo após tantos desafios e sem a certeza da realização, o Carnaval 2022 vai sendo moldado pelas comunidades carnavalescas da Grande Florianópolis, com uma mistura de medos e sonhos, carregando a esperança por dias melhores, como bem canta o samba-enredo da Consulado: “Pra encerrar o nosso pranto/ Renasce o Carnaval”.

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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