Por Mileni Francisco
Nestes primeiros meses de 2022, a Coreia do Sul enfrenta o pior cenário da pandemia de Covid-19 por conta da variante Ômicron. O país, que registrou uma média de mil casos por dia em 2020 e 2021, teve recorde no dia 17 de março: mais de 621 mil.
Mesmo com o alto número de pessoas infectadas, Amanda de Brito, estudante de Political Science and Diplomacy (Ciência Política e Democracia) na Sungkyunkwan University (성균관대학교), em Seul, na capital, pode ser considerada uma das “sortudas” que nunca pegaram a doença.
Amanda, natural de Santo Amaro da Imperatriz (SC), saiu de Florianópolis em agosto de 2021 rumo à Coreia do Sul para fazer intercâmbio, mas sua chegada no país foi turbulenta. Por ser do Brasil, onde havia então grande número de infectados, Amanda foi identificada com um cartão preto que a definia como “alto risco”, determinando seu isolamento de 40 dias em um hotel designado pelo governo sul-coreano.
Como toda a quarentena não era financiada pelo governo, ela gastou mais de 900 dólares pela estadia que não incluía a alimentação. Para a estudante, os impactos não foram apenas financeiros. No seu quarto não pegava sol e, como não podia sair porque tudo era fiscalizado por câmeras e pelo exército, Amanda só se acostumou com o fuso horário local, de 12 horas de diferença, quando deixou o isolamento.
“Todo o tratamento foi feito pelo exército, que usava roupas brancas. Eles não foram gentis, foi bem assustador, na verdade”, revela.
Após o período, as orientações das autoridades de saúde seguiam mudando com frequência. Os comércios fechavam às 22h; em restaurantes, depois das 18h, e apenas uma pessoa podia comer no local; no cinema, era preciso manter uma cadeira de distância. Todas essas ações foram implementadas e variaram conforme o número de casos semanais.
No grupo de intercambistas o qual Amanda faz parte, as pessoas enviavam mensagens sugerindo encontros para que todos ficassem juntos, mas com as restrições impostas tornou-se difícil cultivar novas amizades.
Atualmente, para acompanhar o número de casos, a população recebe um alerta diário no celular com o número de infectados e de mortos. Todo o sistema de notificação digital contribuiu muito para o avanço das medidas de segurança e, sobretudo, durante a vacinação. Para entrar em lugares fechados, era preciso apresentar um QR Code que comprovasse a vacinação nos últimos 40 dias, caso contrário, não poderia entrar.
A santamarense ficou duas semanas fazendo apenas atividades ao ar livre, sem poder entrar nos lugares porque não conseguiu se vacinar assim que o seu grupo etário foi contemplado. Ela precisava do seu comprovante de residência, mas, por não saber falar coreano, teve dificuldades. “O processo de vacinação em si é fácil, mas eu não sabia coreano a ponto de resolver um problema desse”, contou.
O país, que em nenhum momento adotou o lockdown, utilizou da estratégia de exclusão social para incentivar a vacinação. Se a pessoa não se vacina, é excluída dos espaços. O uso de máscara continua sendo recomendado, mas não com a rigidez anterior, já que não há mais tanta gente chamando a atenção de quem não a utiliza.
Às vezes, esquecem de colocar, a deixam no nariz. Idosos e pessoas de outros países costumam não usar e, na maioria das vezes, se um nativo não usa, é julgado. Em agosto, a intercambista retorna ao Brasil e revela estar com medo de continuar sem usar máscaras. “Vou ficar agoniada por sair de um país bem restrito e voltar para onde não tem tantas restrições.”
Embora a maioria da população já tenha inserido o uso de máscara no seu dia a dia, em alguns bairros ricos de Seul houve protestos contra o uso obrigatório. Os manifestantes apenas criticavam a obrigatoriedade, sem motivações políticas como ocorre no Brasil. Na política sul-coreana, a eleição do presidente de linha conservadora, Yoon Suk-yeol (Partido do Poder do Povo), em maio de 2022, influenciou no rumo das medidas para lidar com a Covid-19.
Embora não tenha sido anunciado oficialmente o fim da pandemia no país, muitas restrições foram retiradas e a ideia é pensar em formas de viver com a doença.
No sistema de saúde coreano, a intercambista paga 55 dólares por mês em um seguro de saúde que dá acesso a todos os hospitais por pequenos preços. Como nunca pegou Covid e nem ficou doente, nunca precisou utilizar. A população consegue os testes rápidos de graça nos postinhos de saúde e, para realizar o PCR, é necessário uma justificativa ou ter o antígeno positivo.
“Não é como o SUS, mas democratiza o acesso à saúde”, garante ela. Ainda que esteja voltando para o Brasil, a estudante acredita que nos próximos meses a situação não vá mudar muito, já que as pessoas já se acostumaram a viver em meio ao contexto pandêmico.
Pandemia na Coreia do Sul
Vizinho da Coreia do Norte, o país da Ásia Oriental tem mais de 51 milhões de habitantes. Ao longo da pandemia da Covid-19, conseguiu manter os números de casos e de mortes muito baixos, em comparação a outros países. As mortes chegaram a 24 mil, o que representa 0,13% do número de casos (18 milhões) da doença.
Desde o início, inúmeras restrições foram implementadas, assim como o uso obrigatório de máscaras. Com isso, elas se tornaram um acessório de beleza, tanto para esconder o rosto quanto para seguir o K-style, como é chamada a tendência atual da moda coreana, usando múltiplas cores e estilos.
A partir de agosto de 2021, a chegada da variante Delta assustou muito os coreanos, mas os números de casos e mortes continuaram equilibrados. O cenário de estabilidade começou a mudar em dezembro do mesmo ano, quando o número de mortes diárias por Covid-19 passou a ser maior do que 100. Mas o maior pico aconteceu mesmo em março de 2022, pela variante Ômicron.
86% da população está hoje totalmente vacinada, o que equivale a 44 milhões de pessoas. As vacinas ofertadas são: BioNTech/Pfizer, Moderna, Johnson & Johnson, Novavax, Oxford/AstraZeneca. No final do primeiro semestre de 2022, começou a vacinação em crianças.
Mesmo com medo de possíveis efeitos colaterais, os pais não tiveram muita escolha. Professores definem a vacinação em crianças como semiobrigatória, já que sem a imunização, a pessoa é excluída da sociedade coreana.