#Zero em Pandemia: Japão Pós-Olimpíadas

Zero
6 min readNov 29, 2021

Devido às restrições impostas pela pandemia da Covid-19, a japonesa Mai Setoguchi, moradora de Tóquio, precisou assistir aos Jogos Olímpicos de casa. Ela relata como a população permanece cuidadosa, mesmo com o número reduzido de casos registrados no país após o término das competições.

Por Luiz Fernando Schmidt

Na madrugada do dia 26 de julho, brasileiros de todos os cantos do país acompanharam o momento em que a jovem Rayssa Leal recebeu a medalha de prata no Skate Street Feminino, nas Olimpíadas de Tóquio. Do outro lado do mundo, no Japão, Mai Setoguchi assistiu emocionada à vitória de Momiji Nishiya que levou a medalha de ouro na mesma modalidade. Doze horas de fuso horário e 17.000 km de distância separaram ambas as comemorações. A única semelhança foi que devido às restrições impostas pela pandemia da Covid-19, ela também precisou acompanhar o maior evento esportivo do mundo dentro de casa.

Mai Setoguchi, de 30 anos, nasceu em Kiyose, localizada na capital Tóquio. Para assistir aos jogos comprou uma Smart TV de 55 polegadas. Apesar de morar na cidade que sediou a competição, ela sentiu a emoção de acompanhar as Olimpíadas sentada no sofá da sala. O evento, que aconteceu à portas fechadas, conquistou o público japonês aos poucos, após uma participação irretocável do país.

Legenda: Mai Setoguchi, 30 anos, acompanhou os jogos Olímpicos de casa, com sua cachorra. Créditos: Mai Setoguchi/Arquivo Pessoal

Entretanto, a grande movimentação de atletas e comissões técnicas no período dos jogos é apontado como principal motivo para o aumento no número de casos de Covid-19, ocorridos entre agosto e setembro. “A gente teve o pico no número de casos entre agosto e setembro e depois caiu bastante. Agora, a gente não tem quase nada no número de casos. Então, apesar do governo tentar diminuir os casos antes das Olimpíadas, ele não conseguiu”. Para Mai, o influxo de participantes já a partir de maio, para iniciar os treinos, foi um dos fatores preponderantes para o pico registrado no número de casos.

De acordo com informações do site Our World In Data, que acompanha os dados da Covid-19 no mundo, durante o pico 10.000 novos casos chegaram a ser registrados em apenas um único dia. Até o início dos jogos, o Japão estava com 27% da população imunizada. Em uma tentativa de frear o avanço da doença, o governo japonês acelerou o processo de vacinação. No dia 14 de novembro de 2021, o país atingiu a marca de 75,5% de vacinados contra o Sars-Cov-2, ultrapassando as marcas de países como Canadá, com 75,3%. Hirokazu Matsuno, secretário-geral do Gabinete do Japão, em conferência na última terça-feira (16), celebrou a conquista que colocou o país como líder no processo de vacinação entre os representantes do G7. “Agradecemos a todas as pessoas envolvidas, como os governos locais e profissionais médicos, por todo os seus esforços”.

Durante a entrevista, Mai atribui o sucesso da vacinação ao forte senso de comunidade dos japoneses. “Dizem que os japoneses gostam de seguir o que outras pessoas fazem”, comentou de forma descontraída. Ela explica que no processo de vacinação, o governo enviou cartas para cada família para receberem a vacina. No início, apenas a Pfizer estava sendo aplicada. Para ampliar a abrangência da imunização, o país adotou duas estratégias: começou a utilizar a vacina Moderna ao lado da Pfizer e permitiu empresas privadas a se candidatar para realizar a vacinação de seus funcionários. Adotando uma estratégia pública e privada, o país conseguiu superar o avanço da doença. Setoguchi, que trabalha com marketing digital no setor alimentício de um conglomerado, recebeu o imunizante no seu local de trabalho.

Dados da organização Our World In Data revelam que, no período entre 08 e 15 de novembro, o Japão registrou cerca de 1.008 novos casos durante a semana e uma média de duas mortes por dia. As informações apontam para uma queda expressiva nas taxas de contágio e, consequentemente, no número de mortes causadas pela Covid-19.

Os cuidados continuam

Durante os meses que se seguiram aos jogos, em Tóquio, considerada a área urbana com maior densidade populacional do mundo, a população manteve os cuidados com a pandemia. A prefeitura da cidade emitiu recomendações para uso de máscaras e evitar aglomerações. Sem a necessidade de impor restrições, a população assume a responsabilidade perante a doença.

Mesmo quando algum evento acontece sem respeitar o proposto pelo governo, Mai explica que a pressão da sociedade impede a recorrência. “Teve só um caso, onde um evento de luta aconteceu e no dia seguinte todos os programas de TV reportaram. Eles receberam muitas críticas da sociedade. Não é algo proibido, mas esse pedido é algo muito sério e todo mundo começou a respeitar”.

Até mesmo para visitar seus familiares, ela comenta que ainda toma os cuidados necessários. Como seu pai e sua mãe, apesar de vacinados, são pessoas com maior vulnerabilidade a desenvolver a doença, o contato com eles acontece esporadicamente. E antes de visitá-los, pergunta se há algum problema antes de ir.

No trabalho, a população mantém o regime híbrido, alternando o home office com o trabalho presencial. No seu caso, pode escolher dois dias da semana para ficar em casa. Nas ruas as pessoas permanecem utilizando máscaras, mesmo que as prefeituras não tenham implementado nenhuma regra para uso obrigatório. Além disso, os japoneses continuam preocupados com a possibilidade de um novo pico, e mesmo que o governo esteja estimulando o turismo nacional, emitindo cupons de desconto para viagens aéreas dentro do país, as pessoas consideram que é muito cedo para voltar a viajar.

No trajeto realizado para chegar ao trabalho, Mai comenta que os metrôs permanecem cheios, porém, sem apresentar a mesma lotação da hora do rush de antes da pandemia — que podia atingir 200% da capacidade. Segundo ela, está cheio, mas dá para respirar. Considerado o sistema de metrô mais pontual do mundo, os trens de Tóquio são conhecidos por gerarem grande aglomeração de pessoas.

Legenda: Em Tóquio os trens circulam lotados, apesar da movimentação de pessoas ser inferior ao período antes da pandemia. Créditos: Mai Setoguchi/Arquivo Pessoal

Mai Setoguchi acredita que a solução para a pandemia ainda deve demorar um pouco para acontecer. Ela crê que a vacinação irá se tornar mais efetiva e ajudará a diminuir o número de casos, porém, será necessário novos avanços na medicina. “Na minha opinião, o final da pandemia vem quando a gente achar a medicação perfeita para o corona e isso vai demorar um ano ou dois anos, talvez um pouco mais”. Apesar disso, ela mantém as esperanças de que até o final de 2022 a situação estará bem controlada e poderá viajar com tranquilidade para fora do país e transitar no lotado metrô de Tóquio, sem máscara.

Ela pôde vivenciar um pouco desse sonhado panorama, no dia 12 de novembro, quando pela primeira vez desde o início da pandemia foi ao show de música, do popular cantor e compositor Motohiro Hata, que aconteceu em Yokohama. Mai afirma que participar do evento presencial foi ótimo e, mesmo com a arena lotada, o show aconteceu com tranquilidade.

A arena recebeu cerca de 10.000 pessoas, todos de máscara e sem poder cantar as músicas. “As pessoas estavam de máscara e a gente não podia cantar, era proibido. A gente só poderia realmente bater palmas”. Mai relata que ficou emocionada, não somente pela performance do cantor, mas por ver tantas pessoas no mesmo lugar, curtindo a vida com a esperança de que os piores dias da pandemia, no Japão, já passaram.

Reportagem por Luiz Fernando Schmidt. A entrevista foi realizada por Luiz Fernando Schmidt, com orientação dos professores Valentina Nunes e Ildo Golfeto.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC