#ZeroEmPandemia: Chile

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6 min readApr 26, 2021

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Líder em vacinações na América do Sul, com mais de 40% da sua população vacinada, o Chile enfrenta momento crítico da pandemia. A alta dos casos em ritmo acelerado e a ocupação de 95% dos leitos disponíveis levaram o país a novo lockdown. Conversamos com Gabriella Guiss, brasileira residente em Santiago, sobre a vida no Chile em pandemia. Confira a sua história e mais informações sobre o momento atual no vizinho andino.

por Carolina Vaisz

Santiago vista do Sky Costanera, o mirante mais alto da América Latina. Foto: Caio Silva.

“Minha vida mudou de cabeça para baixo”. É assim que Gabriella, 33, descreve o impacto da pandemia na sua rotina. A curitibana reside no Chile com o marido há oito anos e estava grávida quando a Covid-19 ganhou força. Ela teve seu filho em meio ao lockdown pelo pico da doença no país.

Diferente do primeiro filho, que hoje tem 3 anos, Gabriella teve poucos acompanhamentos médicos presenciais na segunda gravidez. Seu parto ocorreu no dia 3 de junho, quando o Chile enfrentava a primeira onda de casos. “Foi uma situação muito difícil nos primeiros dias. Quando nasceu meu filho, meu marido não podia ficar comigo, o hospital botou restrições bem duras. Foram três noites, que é o que a lei obriga aqui no Chile, sozinha. Eu não deixei que levassem ele pra maternidade, então eu ficava literalmente sozinha com ele, recém-parida. Hoje é muito dolorida essa lembrança”.

Retratos do lockdown em família. Na foto, da esquerda para direita: Alexandre, marido de Gabriella, os filhos Arthur e Oliver, e Gabriella. Foto: arquivo pessoal.

Com 1,14 milhões de casos e mais de 25 mil mortes confirmadas por Covid-19 até o fechamento desta reportagem, em 26 de abril de 2021, o Chile seguiu um plano de lockdown por regiões. Conforme os índices de cada distrito, o governo liberava ou restringia a circulação nos bairros. No entanto, as restrições não se limitam à circulação de pessoas e presença em escritórios ou lojas. As vendas online de roupas, eletrônicos, brinquedos e outros itens considerados não essenciais também foram proibidas. Gabriella, que trabalha como Client Partner na IMS, representante do Twitter, sentiu o impacto no seu trabalho, não podendo vender espaços de mídia digital por conta do decreto. “Se você não está vendendo comida, bebida ou é médico, você tem que fechar”, relata.

Quantidade de casos confirmados de Covid-19 no Chile e no Brasil. Gráfico: Universidade de Oxford.

Dos cerca de 19 milhões de habitantes do Chile, 13,5 milhões, o que corresponde a 70% da população, estão em isolamento decretado no fim de março. Até mesmo a compra de alimentos está restrita aos dias úteis com autorizações especiais requisitadas à polícia. As escolas, que chegaram a abrir no começo do ano, estão fechadas novamente. Arthur, filho mais velho de Gabriella, está no jardim de infância e tem aulas online. Ela e o marido buscam quinzenalmente na escola atividades para o pequeno realizar em casa.

Política

Segundo Gabriella, houve críticas ao plano de ação do governo até meados de 2020, mas as medidas tomadas na sequência foram bem aceitas pela população. Nem por isso o clima político se manteve ameno. Os protestos de outubro de 2019 contra o governo, motivados inicialmente pela busca de menores custos de transporte e saúde, ainda estavam em efervescência no início da pandemia. Apesar da pausa de alguns meses pela necessidade de distanciamento social, em 2020 foram registrados novos movimentos pelas ruas de Santiago. Os protestos tinham como pauta principal a crise de falta empregos e busca por melhores condições de vida para todas as camadas populacionais. De acordo com reportagem do El País de maio do ano passado, os manifestantes repetiam “Preferimos morrer de coronavírus do que de fome”.

Protestos em Santiago, outubro de 2020. Foto: Alan Veas.

Sistema de saúde

Uma das principais pautas dos levantes populares é a forma de organização social da saúde. No Chile, o sistema é coparticipativo. Existem os planos de saúde privados, vinculados a seguradoras chamadas Isapres, e a rede pública, chamada de Fundo Nacional de Saúde (Fonasa). Todos os trabalhadores devem contribuir obrigatoriamente com 7% do seu salário para uma das modalidades, e ainda pagar coparticipação em consultas e procedimentos. Quem recebe menos de um salário mínimo está isento da coparticipação no Isapres.

Assim como em boa parte do mundo, durante as altas de casos, o sistema de saúde beirou o colapso. Atualmente enfrentando a segunda onda, as UTIs estão com cerca de 95% de lotação segundo dados do ICOVID, iniciativa que une universidades e governo para mapear o avanço da doença no país. As redes de saúde pública e privada atuam de forma integrada no enfrentamento da pandemia.

Vacinação

A campanha nacional de vacinação no Chile se chama “Yo me vacuno”, ou “Eu me vacino”, em português. Foto: Município de Quillota/divulgação.

Em de abril, o Chile atingiu a marca de 40% da população vacinada. Com média de 200 mil aplicações diárias, o país pretende imunizar 80% da população até junho, conforme o plano do Ministério da Saúde. Gabriella comenta que a agilidade na vacinação é devida à compra adiantada e diversificação de laboratórios. Já são mais de 35 milhões de doses garantidas, sendo 10 milhões da Sinovac e 10 milhões da Pfizer-BioNTech. O restante se divide entre Johnson & Johnson, AstraZeneca e Covax, e, em breve Sputnik V, que está em negociação.

Porcentagem da população que recebeu pelo menos uma dose de vacina no Brasil e no Chile. Gráfico: Universidade de Oxford.

Apesar do bom ritmo na vacinação, o afrouxamento do distanciamento social provocou novo aumento nos casos. Gabriella conta que a curva começou a subir após as férias de verão, quando o governo autorizou que a população solicitasse liberação para fazer viagens. “A maior parte dos casos estava na região metropolitana, mas com as permissões de viagem, o vírus voltou a se espalhar pelo interior do país, e estamos com a média mais alta desde o início da pandemia, com mais de sete mil novos casos por dia, então acabamos entrando em lockdown novamente”, comenta.

Segundo relatório da ICOVID, em 20 dias, de 17 de março a 5 de abril, a ocupação de leitos de UTI para Covid-19 cresceu 80,3% na faixa etária entre 40 a 49 anos e 75,6% para 39 anos ou menos. A falsa sensação de segurança com a ampla vacinação despertou questões como a necessidade de manter o isolamento e alterou a estratégia de vacinação no país, priorizando a aplicação da segunda dose em detrimento de novas aplicações da primeira para acelerar a imunização completa.

Gabriella com seu Cartão de Vacinação. Foto: arquivo pessoal.

Gabriella faz parte de grupo prioritário definido pelo governo por trabalhar na área comercial e já foi vacinada. Nenhuma pessoa próxima a ela no Chile teve Covid-19. “Pra falar a verdade, aqui só conheço uma pessoa que pegou Covid, e ainda foi em viagem para os Estados Unidos. A maioria que conheço e sei que pegou está no Brasil”.

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Written by Zero

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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