#ZeroEmPandemia: Honduras

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6 min readDec 13, 2021

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Em meio a tensões políticas e desastres naturais, a solidariedade dos hondurenhos e de seus vizinhos centro-americanos se torna a principal ferramenta de combate à Covid-19 no país

Era domingo, 15 de março de 2020, quando o Governo de Juan Orlando Hernández decretou estado de emergência sanitária em Honduras. Tratava-se de uma medida de contenção ao novo coronavírus. Em documento oficial, o presidente ordenava que os direitos de cada indivíduo fossem limitados pelos dos outros. Na prática, isso significava restringir as liberdades de imprensa e expressão, para além da necessária imposição do isolamento social. A decisão preocupou entidades jornalísticas e de defesa dos Direitos Humanos, por dificultar o acesso à informação e permitir a censura.

Na noite anterior, Andrés Vásquez, de 21 anos, aluno de Relações Internacionais na Universidad Tecnológica Centroamericana (Unitec), voltava de sua última festa pré-pandêmica, sem saber que seu país estava prestes a encarar uma das maiores crises de sua história. “A partir daquela segunda-feira, nós tivemos que fazer a transição para o online na faculdade, vários negócios tiveram que ser fechados e começou o lockdown”, conta o estudante, morador de Tegucigalpa, capital hondurenha. “No começo, só podíamos sair de casa em dias específicos, dependendo do último número da nossa carteira de identidade. Depois de alguns meses, eles estabeleceram toques de recolher. Não podíamos ficar fora depois das 20 h ou 21 h, por exemplo”.

Homem branco, com barba e cabelos curtos, sentado um café, usando óculos, uma camisa quadriculada de botões e um relógio de pulso. Ao fundo, no lado oposto da rua, a fachada de um empreendimento com as inscrições “Nivô Las Lomas” na parede. Um carro sedan está estacionado na calçada.
Andrés Vásquez em um café de Tegucigalpa, capital de Honduras. Foto: acervo pessoal.

As restrições foram colocadas em prática quando Honduras tinha apenas seis casos de contaminação. O segundo país mais pobre de toda a América Latina, com cerca de 9,5 milhões de habitantes, tinha antes da pandemia mais de 52% da sua população abaixo da linha de pobreza, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Com o decreto conseguiu frear o avanço do vírus e hoje contabiliza 377 mil casos confirmados e 10 mil mortes pela doença. Os dados são da Secretaria de Saúde do Governo, em 17 de novembro. A situação sanitária, no entanto, acabou agravando problemas já existentes, a níveis político, social e econômico.

Em 2020, a alta dos preços e o encerramento de negócios aumentaram o desemprego. A American Airlines, empresa em que a mãe de Andrés trabalhava, por exemplo, acelerou a aposentadoria de alguns funcionários e demitiu outros para cortar gastos nesse período. A perda de oportunidades de trabalho dificultou ainda mais o acesso dos cidadãos hondurenhos a direitos básicos, como alimentação e saúde.

“Nosso sistema público de saúde, assim como dos outros países, não estava preparado para a alta demanda da pandemia”, declara Andrés. “O sistema privado é consideravelmente melhor, mas custa muito mais caro. Pelo menos 80% da população de Honduras não consegue arcar confortavelmente com despesas médicas particulares”. Apesar de funcionarem, os hospitais públicos de Honduras sofrem com falta de verbas. Em colapso, alguns centros de atendimento tiveram seus estoques de tubos de oxigênio e leitos esgotados, no ano passado.

Também a vacinação, principal aliada na prevenção à doença, ficou comprometida pela ausência de recursos. Devido à escassez inicial e o atraso na distribuição de imunizantes, Honduras — assim como o Brasil — precisou seguir um cronograma de vacinação, priorizando pessoas mais idosas e/ou com comorbidades. Prefeitos de vários municípios solicitaram ajuda internacional e receberam doações de doses tanto de países centro-americanos, como El Salvador e República Dominicana, quanto de nações mais distantes, como Estados Unidos e Espanha.

Durante o ápice da crise sanitária de Honduras, gestos de solidariedade puderam ser vistos não apenas nas relações diplomáticas, mas também entre os próprios habitantes. “As pessoas estavam coletivamente assustadas e não queriam afetar os próximos a elas. Não houve protestos contra medidas sanitárias. O povo colaborou. Não tenho orgulho de Honduras quando se trata de outros assuntos, mas em relação à cooperação pela saúde coletiva eu tenho”, comenta Andrés.

De acordo com o entrevistado, as vacinas causaram êxodos em toda a América Central. Famílias hondurenhas de classe média ou alta, como é o caso dele, viajaram aos Estados Unidos para conseguir se vacinar mais cedo. Enquanto isso, na vizinha Nicarágua, onde a cobertura vacinal estava ainda mais lenta, multidões se dirigiram até a fronteira de Honduras para garantir seus imunizantes.

Atualmente, a Secretaria de Saúde hondurenha aponta que foram aplicadas 7,7 milhões de doses. Os imunizantes mais usados no país foram Moderna, Pfizer, Astrazeneca e Sputnik V. Cerca de 3,2 milhões de pessoas já estão com o ciclo vacinal completo e, agora, aplicações estão autorizadas a todos a partir da pré-adolescência. Também, desde outubro de 2020, o Governo está sugerindo doses de reforço.

“Agora não temos mais toques de recolher, mas se você sai depois das 22 h, mais ou menos, e um policial te para, você precisa mostrar seu comprovante de vacinação. Nos locais fechados, por todo o país, ainda precisamos usar máscaras para entrar”, explica.

Confira abaixo um trecho da entrevista:

Uma crise sanitária, natural e política

No final de 2020, a cobertura jornalística em Honduras precisou se ocupar de outros dois assuntos importantes do momento. Além da pandemia, o país passou a enfrentar uma crise natural, com a ocorrência de dois furacões, e também uma série de tensões políticas.

O furacão Eta, de categoria quatro, devastou grande parte do território da América Central na primeira semana de novembro de 2020. Pelo menos 174 mortes foram atribuídas a ele, sendo 74 apenas em Honduras. Duas semanas depois, outro ciclone tropical, da mesma categoria, se formou no Atlântico. Apelidado de Iota, ocasionou 31 mortes, das quais seis foram no país de Andrés Vásquez. Segundo a Federação Internacional da Cruz Vermelha, aproximadamente 7,5 milhões de pessoas foram afetadas por esses desastres. Dessas, mais de três milhões encontram-se em situação de insegurança alimentar.

Nesse intervalo de tempo, no campo político, partidos iniciaram suas campanhas à presidência, fazendo promessas de ampliação da cobertura vacinal e ajuda às famílias atingidas. Andrés descreveu o clima do país como “incerto”. Segundo ele, “as questões políticas costumam ser bastante complicadas, por causa da corrupção”. Em 28 de novembro de 2021, uma semana após esta entrevista, foram realizadas as eleições presidenciais.

Os favoritos na corrida eleitoral eram Xiomara Castro, pelo partido de esquerda Libertad y Refundación (LIBRE), e Nasry Asfura, pelo Partido Nacional (PN), de direita, do então presidente Juan Orlando Hernández. Ambas as candidaturas indicavam controvérsias.

Do lado do Nacional (PN), o Presidente Hernández e sua família estiveram envolvidos em denúncias de corrupção e narcotráfico. Além disso, há quatro anos, Juan Orlando Hernández conseguiu se reeleger em meio a acusações de fraude.

A opositora Xiomara Castro, por sua vez, subiu nas pesquisas durante uma onda de descrédito em partidos de esquerda. Em 2009, seu marido, o ex-presidente Manuel Zelaya, foi deposto por um golpe de estado, após se aliar ao venezuelano Hugo Chávez.

Depois de semanas de apuração dos votos, Xiomara Castro foi eleita a primeira mulher a presidir o país, colocando fim a três mandatos consecutivos do Partido Nacional. As eleições de 2021 tiveram um recorde de participação, com a presença de 68% dos eleitores, segundo o Conselho Nacional Eleitoral de Honduras (CNE).

A presidente-eleita Xiomara Castro ganhou destaque na política hondurenha em 2009, ao encabeçar o movimento “La Resistencia”, em protesto ao golpe de Estado que depôs seu marido, Manuel Zelaya. Seus planos de governo envolvem uma reforma constituinte, a defesa de direitos femininos, incentivos econômicos à permanência da juventude em território nacional, mudanças nas relações diplomáticas e o apoio a pequenas empresas. Foto: Luis Acosta (AFP).

Em suas redes sociais, Xiomara prometeu formar um governo de reconciliação, paz e justiça, através da solidariedade e do diálogo. Deve assumir o posto em 27 de janeiro, sob o desafio de recuperar Honduras dos desgastes materiais e humanos ocasionados pela crise.

Reportagem por Lucas Ortiz, com orientação dos professores Valentina Nunes e Ildo Golfetto.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

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