Para a terceira reportagem da série #ZeroEmPandemia, conversamos com o venezuelano Ahmed Walid Chamsedine, de 21 anos, filho de imigrantes libaneses e residente no Brasil desde 2016. Ahmed fala sobre como a pandemia acabou agravando a crise humanitária pela qual a Venezuela vem passando há cerca de sete anos.
Por Gabrielle Schardosin.
Ahmed Walid Chamsedine nasceu em Juan Griego, cidade venezuelana situada ao norte de Margarita — uma das três ilhas no Mar do Caribe que compõem o único estado insular de Venezuela, Nueva Esparta. Dados do último censo populacional venezuelano, realizado em 2011, indicavam cerca de 32 mil habitantes na cidade-natal de Ahmed.
O estudante de Ciências Políticas e Sociologia se mudou para o Brasil em 2016, ano em que iniciou a graduação na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), localizada em Foz do Iguaçu — PR. Ahmed conta que decidiu abandonar o curso técnico-superior em Informática que fazia na Venezuela e vir estudar aqui para fugir da grave situação política e econômica do país.
Ficaram em Juan Griego a avó materna, os pais, um irmão e uma irmã (ao todo são quatro irmãos, Ahmed é o caçula), sobrinhos, tios e primos. Outra irmã vive no Peru: tinha planos de se mudar para Foz do Iguaçu ainda este ano, para trabalhar em Ciudad del Este (município paraguaio que faz fronteira com a cidade paranaense) e viver com o irmão caçula, mas o momento atual fez com que essa ideia fosse adiada.
De acordo com os dados oficiais do governo venezuelano, no dia 21 de outubro o país contabilizava menos de 90 mil infectados pelo novo coronavírus e 741 mortes em decorrência da Covid-19. No entanto, a Venezuela mantém segredo sobre o número de testes realizados, um dos indicadores mais relevantes para acompanhar a evolução da pandemia.
Informações levantadas pela Pesquisa Nacional de Hospitais, realizada todos os anos pela organização Médicos para Saúde, apontaram que 53% dos hospitais venezuelanos não contam com as máscaras necessárias para que profissionais de saúde possam trabalhar com segurança.
Ahmed diz que “há uma falta de logística para identificar os contaminados e muitas pessoas estão morrendo pela falta de capacidade de internação nos hospitais”. Confira o depoimento sobre a situação sanitária na Ilha de Margarita:
A comunicação com a família foi fortemente impactada pelas consequências que a pandemia trouxe à Venezuela. Além do sistema de internet ruim (“um dos piores do mundo”, segundo Ahmed), o abastecimento de energia elétrica está comprometido e os cidadãos “passam mais tempo sem luz do que com acesso a este serviço essencial”, conta o estudante.
Além disso, os moradores da cidade de Juan Griego estão com dificuldades de encontrar alimentos e medicamentos no comércio local, indo até os municípios próximos para tentar encontrar os produtos. Contudo, a mobilidade na Ilha de Margarita também está afetada, já que as localidades são distantes umas das outras e a gasolina para abastecer os carros também está escassa.
Em julho deste ano, a organização humanitária britânica Oxfam divulgou um alerta que colocava a Venezuela como um dos dez principais pontos críticos de incidência de fome no mundo. De acordo com a instituição, antes mesmo da pandemia, o país já era responsável por mais da metade do número de pessoas famintas na América Latina.
“Chegou-se ao ponto em que as pessoas não estão ligando mais para o coronavírus, mas sim para a sobrevivência”
Confira mais detalhes no depoimento de Ahmed:
Uma das principais preocupações de Ahmed é trabalhar para conseguir ajudar financeiramente a família na Venezuela, como vem fazendo nos últimos meses. A pouca estabilidade com que os familiares do estudante podem contar se deve às quantias de dinheiro enviadas por ele e pela irmã que está no Peru.
Devido à interrupção das aulas na UNILA por conta da propagação da Covid-19, além da demora da universidade em iniciar as atividades em regime de ensino remoto emergencial, o estudante afirma não saber se conseguirá terminar a graduação, já que sua prioridade é “ganhar dinheiro para enviar à família”. Confira o último trecho do depoimento: